Jornalista deve ser bom observador, diz Gay Talese

Talese
Considerado um mestre da reportagem e criador do new journalism, o autor de “Fama e Anonimato” falou sobre sua vida e seu método de trabalho em evento realizado em São Paulo
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Texto e foto: Donizete Oliveira
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Com o inseparável chapéu branco, terno e gravata, ele chegou ao Teatro Tucá (em Perdizes SP), onde, numa promoção da revista Cult, foi realizado o 4º Congresso Internacional Cult de Jornalismo Cultural. Simpático, elegante e solícito, nem parece ser o jornalista considerado um dos pais do “New journalism”, estilo conhecido no Brasil por jornalismo literário. Aquele senhor grisalho e bem humorado era Gay Talese. A palestra dele foi a mais concorrida entre dezenas realizadas no evento. Com 80 anos, não perdeu o espírito daquele jovem que nasceu na ilha de Ocean City, Nova Jersey. No encontro, mediado pelo jornalista Ivan Finotti, falou da vida dele, cujo enredo é um exemplo de que o bom jornalismo é feito com humildade e muito senso de observação.

Guerra
Filho de imigrantes italianos. O pai era alfaiate, e a mãe tinha uma loja de vestidos. O menino Talese cresceu em meio à tensão da Segunda Guerra Mundial. “Aprendi a conviver com aquilo”, disse. “De dia meus pais agiam como americanos comuns, mas à noite, ouviam rádio e comentavam o que estava ocorrendo do outro lado do mundo”.
Observador, Talese costumava ouvir diálogo dos clientes do pai e da mãe e começou a perceber o quão rico eram aquelas histórias. “Daí passei a me interessar pelo ser humano”, afirmou. “Percebi que cada um tem uma história de vida que vale a pena ser contada”.
Os pais deles moravam num prédio onde havia um jornal que acabou falido. Embaixo funcionava o comércio e acima a casa. De noite, após o jantar não se falava em outro assunto que não fosse o desenrolar da guerra. O menino ficava ouvindo as histórias.
Época difícil. Gasolina racionada. O preço dos bens de consumo disparou. “Sou um produto da guerra”, disse Talese mais de uma vez durante a palestra. Assim ele cresceu e ingressou no colégio.

Mau aluno
Não era bom aluno. Penou muito em matemática e química. Mas a escola lhe abriu uma oportunidade. Ganhou gosto pelos livros e começou a escrever no jornalzinho dos estudantes. “Lia muitos contos, me apaixonei pela narrativa”, lembrou.
O dono do jornal da cidade (Nova Jersey) foi à alfaiataria do pai dele provar um terno. Ele lhe disse que tinha um filho que gostava de escrever. O dono do jornal propôs então que o menino escrevesse uma coluna no periódico. Talese aceitou.
A coluna lhe deu a oportunidade de começar a praticar um jornalismo diferente. Não mirava nas notícias, mas em personagens e histórias de pessoas comuns. “Vi que um escritor de não ficção não precisava percorrer os Estados Unidos para encontrar boas histórias, bastava observar o que estava do meu lado”, comentou.

Enfim, no Times
Para continuar os estudos, deixou os pais e mudou-se para o Alabama. Depois de um tempo, um jovem que trabalhava no jornal da faculdade, lhe disse que tinha um primo editor do The New York Times. Sugeriu que Talese o procurasse em Nova York.
Ele foi. Depois de muita paciência conseguiu falar com o editor. Este lhe disse que não tinha nenhum primo no Alabama. Mas pediu que deixasse o número do telefone, assim que surgisse uma vaga no jornal, lhe avisaria. Talese pediu emprego de jornalista, mas disse que poderia trabalhar em qualquer outra função.
De volta ao Alabama, depois 20 dias, o telefone tocou. Havia surgido uma vaga. Começou como Office-boy. Uma de suas funções era levar sanduíche e chá para os editores. Eram dezenas. Na Redação, havia mais de 600 repórteres.

Pessoas comuns
Ganhou a confiança dos superiores e logo começou a escrever para o Times. Fazia reportagens diferentes. Talese se interessava por pessoas comuns. “Nunca quis escrever sobre notícias do dia, o que os economistas e políticos disseram hoje”, afirmou. “Queria escrever coisas não importantes, mas escrevia tão bem que saía no jornal”.
Talese disse que no Times não desprezava os famosos, mas sugeria um monte de pautas com desconhecidos, e o editor dizia: “Quem se interessa”? “Eu me interesso”, respondia.
Certa vez, contou, passei longa temporada atrás de uma cantora de ópera russa. Ela se excursionou pela Argentina. “Em Buenos Aires, se hospedou por uma temporada num luxuoso hotel, mas reclamava muito da cozinha”, relatou o jornalista. “Dizia que havia muitos mosquitos e, para comprovar, capturou uma mosca num copo e levou ao gerente do hotel”.
Para Talese, detalhes assim enriquecem a reportagem e fogem do lugar-comum. “Imagine, aquela cantora, na época, muito famosa, levando uma mosca presa num copo ao gerente daquele hotel”, descreve.

Sinatra
Depois do Times, ele foi repórter da revista Esquire. Para a qual fez o famoso perfil de Frank Sinatra, sem trocar uma palavra com o cantor. Tentou entrevistá-lo, Sinatra alegou que estava gripado e não quis conceder a entrevista.
O jornalista não desistiu. Ao invés de falar com o cantor, conversou com dezenas de pessoas que conviviam com Sinatra. A reportagem se tornou uma espécie de bíblia do jornalismo. “Frank Sinatra has a cold”, algo como “Frank Sinatra está resfriado” é lição obrigatória em qualquer bom curso de jornalismo.

Observação
Para Talese, a observação é fundamental para o jornalista. Avesso a e-mail e a telefone, ele afirmou que o repórter deve estar no local dos fatos. “Se você não estiver lá, vai obter informações de segunda mão e sua reportagem não terá qualidade”.
Quando vou entrevistar, acrescentou, não uso gravador, anoto em bloquinhos e, em casa, escrevo os detalhes que ouvi e observei durante a entrevista. “Se não fizer assim, utilizar a internet, não será um bom repórter, do jeito que eu quero que você seja”.
Sobre o possível fim dos jornais impressos com a expansão da internet, Talese é lacônico. Disse que os bons jornais não vão acabar, pois sempre terão boas reportagens. Não faltarão leitores interessados neles. “Vejo que a mídia impressa está ficando melhor agora porque está sendo ameaçada pela internet”, declarou.

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