O movimento e suas direções

manifestação
De Alex Costa:
Semana passada, fiz o seguinte comentário em uma postagem do facebook: “Muitos conservadores dizem que os protestos são motivados por bandeiras anacrônicas da esquerda e que, por não estarmos sob uma ditadura, as reivindicações devem ser feitas pelos canais institucionalizados. Eu digo que o anacronismo de algumas bandeiras é fruto do anacronismo de uma sociedade que se diz democrática, mas não é; digo também que não é apenas um tipo de regime que oprime. Os donos do Estado é que oprimem, oprimem sob o manto da ditadura ou sob o véu do que chamam democracia. A estrutura jurídica não é capaz proteger do crime ou da corrupção, também não é capaz de atender as reivindicações atuais, portanto outros canais são necessários. Ah, mas os liberais, do alto de um pedestal, dizem que é o estatismo e outras coisas a causa da carestia. Diante disso fico pensando: por que um sistema dito tão perfeito não se implanta naturalmente, afinal traz tantos benefícios? E olha que está disponível a quase trezentos anos e vem sendo defendido por grandes intelectuais. Contudo, trata-se de mais uma utopia, propicia para ser manipulada pelos donos do poder, pois novas ideias não importam para aqueles que já têm tudo que precisam. Aqueles que realmente sabem o que está atrás têm que parar de olhar a esquerda ou a direita, para assim ajudar os demais a verem a frente.”
A última frase dizia, então, respeito à infertilidade pontual dessa eterna, porém necessária, discussão. Parecia-me um atraso debater a orientação política dos indivíduos que protestavam tendo em vista que a causa mais objetiva era a crítica ao aumento das tarifas do transporte, embora outras reivindicações já estivessem sendo gestadas. Naquele momento qualquer bandeira que fosse erguida granjearia forças. Mas as coisas mudaram sensivelmente, o movimento ganhou novos contornos e as novas apropriações de alguns termos escondem intencionalidades estranhas às necessidades populares. Tais apropriações revelam uma guinada conservadora respaldada pela clássica ideia do senso comum: o combate a corrupção, que visa estigmatizar, sobretudo, o governo. A inocência dos desmemoriados, cuja opinião é forjada pelo Jornal Nacional passa agora a ser facilmente manipulada pelos setores conservadores da sociedade.
Como o reacionarismo não teve capacidade para fazer andar seu projeto ele tenta agora utilizar-se de uma força que sempre subestimou, com a qual agora se surpreendeu e que já se desespera para controlar. No tabuleiro conservador as classes sempre tiveram um espaço demarcado, mas atualmente as peças que as compõem mudaram e a elite tenta utilizar-se das velhas estratégias para manter o controle. Trata-se de um novo jogo, e as regras começam a ser quebradas.
Superando interesses escusos luta contra a corrupção já apresenta a primeira vitória e ela não foi obtida sobre apenas um partido, mas sobre todos, pois com essas manifestações os brasileiros superam sua própria corrupção passiva diante do eterno descaso dos políticos em relação aos interesses da população. Trata-se de um referendo nascido de um desejo popular, que, no entanto, quer ser fraudado pelas forças conservadoras.
Vi fotos com cartazes conclamando que não se dever ir a direita ou a esquerda mais sim ir para frente, ou seja, uma orientação antipartidária disfarçada de apartidarismo. Por isso vim rever meu texto. Coerente com o momento em que foi escrito, mas passível de interpretações erradas no atual desenrolar dos acontecimentos. Ir a frente agora é manter-se à esquerda e seguir o caminho dos movimentos sociais que já mostraram ontem sua força em favor das causas populares. Deixar-se seduzir pela cantilena da direita é retroceder. Deve-se lutar pelas pautas mais objetivas e locais e não engrossar o coro elitista, que deseja talvez, em última instância, utilizar-se da mobilização popular para legitimar ilegalidades. A voz do povo é a voz de Deus, mas nem tanto, pois o diabo está aí no meio, gritando palavras de ordem (e progresso), só que não.
Finalmente, quero dizer que meus vinte centavos foram as declarações de Ronaldo e, sobretudo, a de Pelé, garotos propagando de um produto subvertido que não satisfaz mais o povo. O primeiro e o segundo, mais experiente, querem reeditar 1970 e usar o futebol como cortina de fumaça sobre o processo que está ocorrendo atualmente. Naquele ano, enquanto a povo brasileiro era explorado pela elite e seus fantoches fardados a vitória no México foi usada como propaganda do regime. Hoje querem, novamente, que os gritos de gol sejam mais alto que os brados por justiça. Não serão.
________________________________
(*) Alex Aparecido da Costa
Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em História da UEM
Pesquisador do Leam – Laboratório de Estudos Antigos e Medievais

(**) Ilustração Inti

Advertisement
Advertisement