Capilaridade republicana

De José Luiz Boromelo:
cabeloRecentemente o presidente do Senado fez uso de uma aeronave oficial em deslocamento ao estado de Pernambuco para fins estritamente particulares, onde se submeteu a cirurgia de implante capilar. O fato chamou a atenção por ser conduta recorrente, uma vez que em meados do ano passado Renan Calheiros viajou para seu estado natal utilizando o mesmo meio de transporte e por pressão da mídia acabou devolvendo aos cofres públicos o valor correspondente. Dessa vez o eminente senador já sinalizou a intenção de ressarcir o erário após uma consulta prévia à FAB (Força Aérea Brasileira), mas não pode alegar desconhecimento de portaria presidencial de 2002 que regulamenta o uso de aeronaves oficiais nas seguintes circunstâncias: por motivo de segurança e emergência médica, em viagens a serviço e em deslocamentos para o local de residência permanente. Em que pese a influência e a relevância do cargo ora ocupado pelo referido parlamentar, a bem da moralidade e da decência e em respeito ao contribuinte, nem invocando dez mil motivos (um para cada fio de cabelo implantado) seria o suficiente para justificar tamanha desfaçatez para com a sociedade brasileira.
É fato comum nesse País ocupante de alto cargo público usufruir de regalias das mais variadas possíveis à custa do contribuinte. A impressão que transmitem com esse comportamento é a de total insensibilidade diante das necessidades básicas experimentadas diariamente pela população, em todos os setores. Nessa situação específica, caso o reembolso aos cofres públicos seja realmente efetivado há que se determinar com propriedade os valores devidos levando-se em conta as despesas com tripulação, combustível, desgaste da aeronave entre outros itens de logística e não somente instituir como parâmetro de equivalência os preços das passagens aéreas praticadas pelas empresas que exploram aquele itinerário. Assim deveria ser em todas as situações comprovadas de uso indevido dos recursos públicos, penalizando indistintamente o servidor que porventura venha a incorrer em práticas lesivas aos cofres da nação.
Se conhecemos um pouco da capacidade de nossos ilustres representantes em driblar as contingências dos preceitos estabelecidos, não existe portaria presidencial ou qualquer iniciativa que eventualmente venha a inibir tais práticas, corriqueiras nos meandros do poder. Para tudo se dá um jeito, com ou sem o conhecimento da população e a prova disso está no registro de vôos da FAB em que a citada viagem é justificada “por motivo de serviço”. Essa foi apenas mais uma que veio a público e ganhou as páginas dos jornais. Por outro lado, não se configura ato de improbidade o funcionário público tentar reparar de alguma forma os estragos decorrentes da ação natural do tempo no organismo, uma compreensível expressão de vaidade a que todos (privilegiados pelo sistema ou não) estão sujeitos. Desde que às suas próprias expensas, obviamente.
A persistir esse tipo de mentalidade o Brasil jamais será passado a limpo. Atitudes questionáveis como essa só reforçam o sentimento de que estamos muito mal representados. Uma constatação simplista que não carrega resquício algum de hipocrisia, visto que proporcionalmente não onera significativamente as despesas do governo diante de tantos casos de malversação de recursos públicos. Enquanto os representantes do povo no Oriente tomam atitudes drásticas quando flagrados em alguma traquinagem, os nossos nem ruborizados ficam. Lá, por uma questão de princípios. Aqui, por falta de vergonha mesmo.
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(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista.

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