Nosso Dom João

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoDom João Braz de Aviz, terceiro arcebispo de Maringá, enviou-me da Itália, por meio de Dom Anuar, o seu livro “Das periferias do mundo para o Vaticano”. Tem como subtítulo “Minha história rumo à Igreja de amanhã”. Acaba de sair do forno, em italiano. Será traduzido para o português, na forma de entrevista conduzida por Michele Zanzuccchi, diretor da revista “Città Nuova”. Aviz, hoje cardeal, vive no Vaticano, onde é prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e para as Sociedades de Vida Apostólica. Não há como falar dele sem lembrar o tiro que levou em 1981. Foi a primeira coisa que procurei no livro. Está no capítulo intitulado “Estou vivo por milagre”. Não há como discordar.
Seu amigo, Padre Karl Mayer, pároco de Palmital, italiano, apesar do nome, foi celebrar na Itália os 25 anos de sacerdócio. Pároco de Ivaiporã, a 120 km de distância, Aviz aceitou cobrir a sua ausência. Era final de ano. Uma sexta-feira, pelo meio-dia, João percorre os 70 km de asfalto. Inicia os 50 km de terra. Com a chuva da noite, o chão está escorregadio. Numa longa descida ele vê um fusca parado na pequena ponte de madeira. Estrada interrompida. Ao lado, dois rapazes. João detém a Brasília nova, da sua família, desce e vai oferecer ajuda. Os rapazes sacam armas pesadas e o rendem. Obrigam-no a erguer as mãos, tomam-lhe a chave da Brasília e o conduzem ao fusca, onde há um terceiro bandido. Logo chega o furgão blindado, que estavam esperando. Traz o dinheiro recolhido em bancos da região. Com a ponte bloqueada, os vigilantes tentam dar à ré. Os bandidos atiram nos pneus. Segue-se uma saraivada de disparos. Aviz protege-se como pode. Já sem munição, os bandidos mandam-no ir até aos guardas e forçá-los a abrir o blindado. Ou vai ou o matam.
Aos padres Julinho, Almeida e a este escriba, seus colegas de seminário, que fomos depois visitá-lo no hospital, em Ponta Grossa, relembrou: “Mãos na cabeça, caminhei para o furgão. Via a boca da escopeta calibre 12, de cano serrado, apontada para mim. Pensava: Vai doer muito? Vou morrer logo ou vai demorar?” Foi rápido. Um tiro só. Ele explicou: “Acho que já tinham gastado toda a carga grossa. Dispararam em mim com chumbo miúdo”.
Com o estampido veio o impacto que o atingiu por inteiro. Ele conta no livro: “Senti uma dor difusa, perdi o equilíbrio e fui ao chão. Não enxergava com o olho direito, sentia violenta queimação no corpo, causada pelo ar em contato com a pele furada de chumbos. Mas não perdi a consciência”. Permaneceu três horas na estrada de pouco movimento, sangrando como um animal e tomando chuva. Melhor: afastou o risco de febre. Não, porém, o medo de que policiais chamados pelo rádio dos vigilantes acabassem de matá-lo. Quando chegaram, ainda lúcido, gritou: “Pelo amor de Deus, sou padre, não bandido”.
É comovente ler o que lhe vai pela mente nessas três horas no chão, sangrando. Um admirável exemplo de entrega nas mãos de Deus. Grande homem o nosso Dom João. Pena que tenha ficado tão pouco entre nós. Ele teve o abdome perfurado como a tela de um chuveiro. Mas numa extensão maior. Na radiografia que nos mostrou contamos 130 orifícios. A maioria dos chumbos ele ainda tem no corpo. Aconselhamo-lo a levar sempre consigo a radiografia. Para não ser barrado num detector de metais.

Advertisement
Advertisement