Lei para regular o óbvio

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoNão tenho culpa de ter nascido em outro tempo. Nem de, por isso, carregar lembranças que vêm de longe. Hoje a meninada recebe, a cada momento, um bombardeio de informações novas, que nem consegue processar. Tudo é engolido num jato, sem reflexão. Pergunte a um garoto: “Que lhe aconteceu ontem?” “Nada”, ele dirá. Teve tantas vivências que não conseguiu deter-se em nenhuma.
Não sei quanto às crianças de hoje; para os que fomos meninos outrora, as experiências eram marcantes. Poucas, nascidas de fatos comuns, mas vividas com intensidade. Formaram um bloco de recordações que se tornaram parte do nosso ser. Marcaram-nos para o resto da vida.
Lembro o ano de 1952. Na volta da escola, esperando o ônibus no Bar do Donda, no rádio da parede eu escutava o Repórter Esso, “testemunha ocular da História”. Depois da inconfundível música de abertura, Heron Domingues ecoava: “Panmunjon, Coreia”. E desfiava notícias do conflito de interesses soviéticos e norte-americanos no nordeste da Ásia. Como sempre, na briga de dois grandes, perde o pequeno que ambos dizem defender.
Situada entre China e Japão, a Coreia foi, durante séculos, explorada ora por um, ora por outro. Após a 2ª Guerra Mundial, sofreu disputa política e militar entre União Soviética e Estados Unidos, na chamada Guerra da Coreia (1950-53). Consequência: território repartido em dois, situação que perdura até hoje.
Com longo passado de exploração, o país devia ser um monte de ruínas. Diferente, porém, da Coreia do Norte, sujeita a uma ditadura estúpida, aquela que chamamos Coreia, a do Sul, mostra-se, desde 1953, um modelo de progresso. Tem uma das infraestruturas mais avançadas do mundo. Goza de economia sólida e de altíssimo nível de ciência e tecnologia. Com um quarto do território brasileiro e um décimo da população, sua renda per capita é o triplo da nossa. É um dos líderes mundiais na produção de aparelhos eletrônicos e na indústria da construção naval. A partir da década de 1970, com Cingapura, Hong Kong e Taiwan, formou o bloco dos Tigres Asiáticos. O segredo de tanto sucesso? Alto investimento na educação e na qualificação profissional dos seus jovens.
Os gentis leitores estarão perguntando: Esse papo, a troco de quê? Explico: Veio-me à cabeça ao saber de coisas que acontecem por aqui. Andei matutando: Será que a Coreia precisou de uma lei para proibir os estudantes de, à revelia do professor, fuçar nos celulares durante a aula? E olhem que a Coreia fabrica e exporta celulares para o mundo inteiro faz 40 anos. A molecada de lá conhece esses brinquedinhos muito antes de nossas crianças. Se o modelo educacional da Coreia fosse “rigoroso” como o nosso, talvez a maioria dos coreanos continuasse ainda, como seus ancestrais, plantando arroz nos banhados do país para sobreviver.
Não foi certamente com nosso jeito descolado de “estudar” que se formaram os profissionais coreanos respeitados mundialmente pela competência e pelo progresso que conquistaram para seu país. Da política educacional aplicada em boa parte do Brasil pouco se pode esperar, de fato. Desde lá dos altos escalões ministeriais, uns fazem de conta que ensinam; outros fazem de conta que aprendem. Não é piada fazer uma lei para dizer que estudar exige a atenção de quem estuda?
Vão rir de nós lá fora, ah, se vão!

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