Racismo faz mal

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoO racismo pode fazer um mal maior ao seu autor do que à sua vítima. Aquela torcedora do Grêmio de Porto Alegre teve a infelicidade de ser filmada enquanto gritava “macaco” para Aranha, goleiro do Santos, na partida entre as duas equipes, quinta-feira passada. Ela estava no meio de um grupo atrás da meta defendida pelo santista, que, visivelmente irritado com as injúrias recebidas, foi reclamar ao árbitro interrompendo a partida aos 42 minutos do segundo tempo. A imagem espalhou-se pelo Brasil inteiro, talvez pelo mundo. Não há como desmentir nem defender uma interpretação diferente. Até um cego de olhos vendados é capaz de entender aqueles três movimentos labiais destacados e inconfundíveis. A moça não só ofendeu a vítima, mas o fez aos gritos, no volume mais alto que podia.
Ela é um dos dois sócios reconhecidos e afastados do quadro social do clube dos pampas. Perdeu o emprego na empresa terceirizada, que prestava serviço à Brigada Militar da Polícia Militar Gaúcha. Teve a casa atingida por pedras atiradas por gremistas receosos da punição que o clube poderia vir, como realmente veio, a sofrer. São consequências dolorosas de uma atitude infeliz, que tem chance de ainda provocar mais dissabores.
Impressionou-me um detalhe, que não vi comentado por ninguém. Na foto amplamente divulgada a jovem aparece com a mão esquerda em concha ao lado da boca. Evidentemente para emprestar maior potência ao som que emite. Pois essa mão esquerda traz no dedo anular o que claramente me pareceu uma aliança. Será a moça em questão uma jovem senhora casada? Terá em sua casa uma criaturinha inocente sobre a qual respingará algum efeito do seu gesto? Porque mãe e pai (sobretudo mãe) são ídolos, modelos de imitação para os filhos. É dentro do lar, a partir do que observam nos pais, que os filhos vão moldando sua forma de pensar e de agir pela vida afora.
Permitam-me retroceder à minha infância. A um episódio de que nem me lembrava, mas que, de repente, fez-se claro de novo na minha memória. Aconteceu em algum momento do ano de 1948 ou 1949. Morávamos em Jales. A cidade era um ovinho naquele tempo. Não conseguia hospedar nos dois minúsculos hotéis as pessoas que chegavam. Alugar quarto em residências de família não era prática incomum. A casa da chácara, em que morávamos, era espaçosa. Tínhamos um quarto sobrando. Um amigo pediu ao pai para hospedar o contador de uma firma, que ia chegar, mas que não conseguira acomodação. Apenas por algum tempo, foi o pedido. Após consultar a mãe, o pai concordou.
Não estranhamos quando veio morar em nossa casa um negro retinto, que conosco se sentava à mesa e cujas roupas a mãe lavava e passava. Não recordo quantos meses ele ficou. Lembro que usava Príncipe Negro (ou um nome parecido), apreciado perfume masculino da época. Ele consumia leite condensado Moça diretamente na latinha furada com prego. Sei disso porque, algumas vezes, gentilmente me ofereceu. Nunca tinha visto leite condensado consumido dessa forma.
É possível que alguém tenha censurado o pai por dar abrigo em casa não a um desconhecido, mas a um negro. Mas com seu coração largo, onde cabiam todos, ele não sabia excluir ninguém. Muito menos por causa da cor da pele.
Não acho difícil conviver com o diferente. Não é mérito meu, porém. Aprendi com o pai e a mãe.

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