De São Paulo a Paris

De José Luiz Boromelo:
aguaEm viagem à capital francesa, uma conhecida apresentadora da televisão brasileira sentiu na pele as contingências da cidade-luz, onde o cidadão se viu impelido a mudar de comportamento para superar as adversidades locais. A hospedagem num dos mais conceituados hotéis europeus proporcionou, além do luxo e do conforto, uma inesquecível aula de cidadania. Eis que no desfrute de um demorado banho, o fornecimento de água foi subitamente interrompido. Sua cota disponível havia se esgotado e o jeito foi improvisar, removendo a espuma das fragrâncias aromáticas parisienses com água mineral. Se no Velho Mundo a coisa funciona como deveria, no Brasil ainda não se chegou a um consenso quando o assunto é a valorização dos recursos naturais. É inaceitável a constatação de que o desperdício de água da estação de tratamento ao consumidor final se aproxime de vergonhosos 40%, por conta de vazamentos e outros problemas nas redes de distribuição. Em Tóquio essa perda é de 7%. 
Para agravar ainda mais o problema, o consumidor brasileiro não se comporta de forma adequada diante dessa situação considerada calamitosa. Em todas as regiões do País a população se vê às voltas com a falta freqüente de água, provocada pelo regime insuficiente de chuvas e pela alta demanda, típica da estação mais quente do ano. Os mananciais de captação estão perdendo volume a cada dia, levando ao racionamento. Os reservatórios da maior cidade da América Latina estão com seus níveis mais baixos da história, com a possibilidade real de um colapso total no abastecimento. Com as torneiras secas e sem ter a quem reclamar a população tenta se virar como pode, recolhendo água de fontes não potáveis ou adquirindo de caminhões-pipa, como uma alternativa emergencial. A meteorologia não prevê a normalização das precipitações pluviométricas de imediato nas regiões mais afetadas, mostrando que o quadro atual certamente será mais complexo num futuro próximo.
Passou da hora de se rever certos conceitos defasados, há muito arraigados na personalidade do brasileiro. Mudanças radicais de comportamento como o consumo racional deveriam ser sistematicamente estimuladas, mesmo naqueles indivíduos resistentes às alterações dos hábitos cotidianos. O pensamento retrógrado de que “se posso pagar, posso gastar” ficou no passado, pois o interesse coletivo se sobressai sobre o individual. O consumo indiscriminado de água nas residências, condomínios e empresas deve ser o foco principal de medidas consistentes, que contemplem o rigor do momento. As campanhas veiculadas na mídia haveriam de conscientizar o consumidor apontando práticas equivocadas, como varrição de calçadas e pátios com a utilização de mangueiras, banhos demorados, torneiras abertas ininterruptamente ao lavar a louça ou escovar os dentes, lavagem desnecessária de veículos, etc; e as formas de se evitar o desperdício como a adoção de torneiras com bicas econômicas, armazenamento e reaproveitamento de águas da chuva, entre outras. É preciso que cada um tome a iniciativa mudando suas atitudes diante da atual crise hídrica generalizada.
O líquido precioso que hoje utilizamos em abundância e sem critérios pode ficar escasso no futuro. A perfuração de poços artesianos mostra que o lençol freático está cada vez mais profundo e de difícil prospecção. Mesmo com o maior aqüífero do mundo sob nossos pés, estamos à mercê do clima e da má vontade do consumidor, que se mostra arredio e inconseqüente em demasia. Há que se adequar a legislação ambiental vigente com o intuito de punir (em casos comprovadamente extremos), criminal e pecuniariamente aqueles que afrontam os dispositivos legais. Como diz o ditado “sabendo usar, não vai faltar”, que cada um faça a parte que lhe cabe enquanto há tempo. Porque São Paulo não é como Paris. Ainda.
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(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista.

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