A última fronteira

ilustra

Por José Luiz Boromelo:

Conforme o Art. 2º da Constituição Federal, “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
O texto é claro e parte do pressuposto de que um poder não deve (ou não deveria) interferir nas atribuições do outro.

Recentemente o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki determinou o afastamento do deputado Eduardo Cunha (PMDB-SP), até então, presidente da Câmara dos Deputados. É sabido que Cunha se valeu dos mais diferentes e criativos subterfúgios para procrastinar o processo contra si no Conselho de Ética que tramita naquela Casa (em que é acusado de faltar com a verdade em suposta ocultação de titularidade de contas correntes no exterior), o que em tese, caracterizaria a falta de decoro parlamentar, requisito suficiente para a cassação de seu mandato. O parlamentar ainda se tornou réu por suspeitas de ser beneficiário do esquema criminoso denominado “Operação Lava Jato”, em investigação pela Polícia Federal. A justificativa para a inédita decisão, além do acatamento da denúncia oferecida ainda em agosto de 2015 ao STF pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot, seria a possibilidade de Cunha assumir a presidência da República na condição de réu em ação penal, por ser o substituto natural na linha sucessória.
Seria razoável uma postura de celeridade do STF julgando de imediato (ou em tempo hábil) a denúncia do procurador-geral da República, decidindo pelo afastamento do cargo (ou não) do presidente da Câmara, evitando a sucessão de fatos desgastantes e desabonadores protagonizados pelos parlamentares federais, por conta do processo de impeachment contra a presidente da República Dilma Rousseff. Além disso, é de conhecimento público que a decisão de Eduardo Cunha em optar pela abertura do processo de impeachment teria sido motivada por vingança pessoal contra o Partido dos Trabalhadores, por não lograr êxito em amealhar a maioria dos votos favoráveis no caso de um eventual prosseguimento do processo contra ele no Conselho de Ética. É perceptível, portanto (sob a visão míope do cidadão comum), que a decisão derradeira do ministro Zavascki foi efetivamente tomada para se evitar “um mal maior”, não obstante pesarem denúncias de corrupção sobre o presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) e o vice-presidente da Câmara (atualmente interino) Waldir Maranhão (PP-MA).
A sociedade brasileira tem mostrado sinais de inquietação. Por analogia, ao se abrir esse inusitado precedente, não se tem a garantia de que, em outras oportunidades e amparada em acontecimentos de justificada magnitude, aquela Corte Suprema não venha a tomar iniciativas semelhantes e de grande impacto (como por exemplo, a dissolução o Congresso Nacional ou a deposição de um presidente da República), atropelando os trâmites legais a que estão sujeitos os detentores de cargos eletivos. Isso contraria frontalmente o preconizado na Carta Magna, quando sabiamente estabeleceu as responsabilidades dos poderes da República.
Aqui não se pretende, absolutamente, defender condutas reconhecidamente criminosas, mas a observância irrestrita às competências de cada Poder. Não parece ser crível a imiscuição do Executivo ou do Legislativo nas decisões do Judiciário, muito menos se espera que isso eventualmente venha a acontecer. Porém, em todas as ocasiões, o cidadão deve sempre confiar na Justiça, tendo como aliado fiel e guardião das garantias constitucionais, o Supremo Tribunal Federal, a última fronteira da cidadania.
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(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista

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