Saudades de meu pai

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Por José Luiz Boromelo:

O domingo dedicado aos pais é o dia em que costumo sofrer com a melancolia. Esse sentimento me acomete nos últimos 12 anos desde que meu pai se foi, depois de cumprir com sua missão nessa vida terrena.
Homem de personalidade forte, com vigor físico de fazer inveja aos mais novos, mesmo com o peso da idade lhe fazendo companhia. Apesar das dificuldades em manter uma família numerosa, nunca foi tomado pelo desânimo ante os contratempos da vida.

Descendente de uma geração de agricultores, jamais hesitou em derramar seu suor nessa terra abençoada para oferecer uma vida simples, mas digna, aos filhos, que se espelhavam na figura paterna. Deixou como legado incontáveis exemplos de honestidade e retidão de caráter. Frequentemente fazia questão de lembrar à prole que o respeito vinha em primeiro lugar, quando cismava de alguma travessura exagerada. Para isso, bastava um olhar e as coisas logo se aquietavam. Seu bom humor era algo cativante, tinha sempre uma piada inteligente para descontrair o ambiente. Apesar da simplicidade desconcertante e da pouca escolaridade, por toda a vida se permitiu um desfrute quase incompatível com sua condição financeira, que se tornou sua marca registrada: o uso permanente, sob chuva ou sol, no trabalho ou em qualquer lugar, do legítimo chapéu Cury Ramenzoni, na pigmentação Castor (daqueles embalados em elegantes caixas personalizadas, com belíssimas ilustrações da caça à raposa, atividade típica dos lordes ingleses, uma forma sutil de conferir status aos consumidores da marca), que zelava com cuidado. O mesmo chapéu, quase sem uso, que agora paira inerte na parede de minha casa. Foi seu último presente do Dia dos Pais.
Hoje vejo com tristeza que muitos filhos não dedicam a atenção merecida a seus pais. A família se desdobra para atender aos intermináveis compromissos da vida moderna, deixando de lado seus idosos, segredados pelas limitações naturais da idade. Não raro acabam esquecidos em algum asilo qualquer, amargando a solidão causada pela indiferença de filhos insensíveis, desprovidos de um mínimo de amor e respeito por quem lhes dedicou boa parte de sua juventude. Além de serem testemunhas vivas de uma época em que os valores que norteavam uma sociedade eram definidos pela conduta moral do cidadão, são fontes inesgotáveis de conhecimento e sabedoria, acumulados ao longo do tempo; são o esteio da casa, a viga-mestra que sustenta um lar. Poder abraçar os pais é um privilégio imensurável.
Não obstante ter plena consciência de que o ciclo natural da vida é irreversível e de que somos apenas passageiros transitórios nesse mundo de Deus, ainda gostaria de (como se isso fosse realmente possível), recostar-me, mesmo que por alguns momentos, em meu velho pai. Sentir seu coração batendo forte no peito, suas mãos calejadas segurando as minhas, seu olhar firme me fitando retidamente. Observar seu bigode sempre bem aparado, suas camisas listradas de mangas longas com os punhos dobrados, sua botina caprichosamente engraxada. Queria poder ver um sorriso descontraído naquele rosto judiado pelo tempo e pelas preocupações com a moléstia inclemente, que o fez sucumbir definitivamente. Mas isso são apenas sonhos, como aqueles que temos quase todas as noites. Meu pai foi um homem comum, não teve reconhecimento nem se sobressaiu perante a sociedade, como a imensa maioria dos pais do mundo. Mas foi uma grande pessoa. E no Dia dos Pais, com um aperto dolorido no peito e um nó angustiante na garganta, faço aqui minha homenagem àquele que ainda vive em minhas recordações. Que saudades de você, meu pai…!
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(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista

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