Que reclamem ao bispo

horario de verão

Por José Luiz Boromelo:

Antigamente era comum o uso da expressão “Vá reclamar com o bispo”, quando se discordava de alguma coisa.
Os descontentes com determinadas situações geralmente classificam certos fatos como imposição, aquilo que se enfia goela abaixo das pessoas sem direito a esperneio de qualquer espécie.

Mesmo que uma parcela significativa da população tenha opinião diametralmente oposta daquela apresentada, não se consegue mudar os rumos dos acontecimentos, pelo fato de que nenhum bispo (tampouco o Papa) tem o poder de reverter esse incômodo sazonal intitulado horário de verão. A desculpa oficial é bem conhecida (redução da demanda em horário de pico, com economia final de até 0,5%), mas não convence nem a mais honesta viva alma que habita esse liberal e descompromissado País. Então o jeito é adiantar os ponteiros do relógio, para não correr o risco de andar em descompasso com o mundo ao redor. Estamos há muito submissos (e indefesos) ante as determinações que vêm de cima, lá pelas bandas do Planalto Central. Com respaldo em números supostamente convincentes, o povo brasileiro é “convidado” a participar da “campanha” em prol da economia de energia elétrica, algo em torno de 147,5 milhões de reais (valores presumidos, baseados em anos anteriores). Uma falácia institucionalizada, em que a sociedade não tem alternativa a não ser aderir inconteste, por conta de uma canetada presidencial.
A grande mídia explora o assunto de acordo com seus interesses, mesmo porque existe audiência para tudo nesse mundo. Considerando que as intenções do governo sejam aquelas alardeadas pelos especialistas da área, faltou o detalhe mais importante: combinar com a população a adesão ao programa, com o intuito de minimizar os efeitos da demanda maior na época de sua vigência. Esse descaso com o interesse coletivo é visível por todo lugar e não se resume somente à utilização irresponsável de energia elétrica. É só sair pelas ruas para se constatar que a maioria das pessoas não tem o compromisso de economizar água, um bem comum que sabidamente está a cada dia mais valorizado e escasso. As torneiras acintosamente abertas mostram o descompasso entre a propaganda oficial e o consumo consciente. As lâmpadas acesas sem necessidade, os eletrodomésticos ligados o tempo todo, as práticas incorretas no uso de equipamentos elétricos aumentam significativamente o consumo. Não se pode estabelecer metas a serem atingidas sem a participação direta do consumidor, sob o risco de fracasso nos resultados pretendidos.
Por outro lado, fica evidente que somente a uma das partes envolvidas é impingida a maior carga de sacrifício. Pior para o cidadão que se obriga a madrugar todo santo dia, sofrer com o transporte coletivo e ainda aturar a mudança indesejada em seu cotidiano; para o trabalhador comum, que se desdobra em suas tarefas, sem tempo, dinheiro nem oportunidades para oferecer uma qualidade de vida um pouco melhor para si e seus familiares. Sem esquecer também dos que aprovam a medida, ansiosos pelo costumeiro chope no fim de tarde, ou os que aproveitam a luminosidade natural para a prática dos mais variados esportes ou outras atividades. Preferências à parte, deveria o governo estimular sistematicamente a economia de energia elétrica com a implantação de descontos substanciais progressivos para usuários que apresentarem redução no consumo em épocas de alta demanda, além de financiar obras de modernização no sistema de transmissão e distribuição de energia, de acordo com as necessidades. Dessa forma, não seria preciso reclamar ao bispo. Só que, pelo andar da carruagem (leia-se incompetência administrativa), ainda teremos muitos horários de verão pela frente.
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(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista em Marialva/PR

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