A defesa parcial das Sagradas Escrituras

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Por Zery Monteiro:
Li a reportagem “Uma conservadora no cerco dos esquerdistas”, publicado em O Diário, que traz a entrevista de Heloísa Nascimento, presidente do DCE da UEM, por ocasião do Dia da Mulher, em 8/3/2017.
Fique impressionada quando li suas ideias “fortemente influenciadas pela Igreja Católica”:

1) Contra o casamento gay; 2) Contra o aborto; 3) Contra o sexo antes do casamento; 4) Contra a legalização da maconha” ou qualquer outra droga” e 5) Contra os “atuais movimentos feministas” por achar que não respeitam todos os tipos de mulheres “como as que ainda querem casar na igreja e se posicionarem contra o aborto”.
Achei que eram muitos Contras para uma menina de tão pouca idade. Tantas bandeiras não lhe caberiam nas mãos. Mas existe uma bandeira, maior do que todas aquelas, que teria todo apoio da Igreja Católica e que caberia perfeitamente em suas mãos. É a bandeira do A favor do amor ao próximo, a qual defende o segundo mandamento de Cristo, considerado maior que qualquer sacrifício “… amar o próximo como a si mesmo é mais do que todos os holocaustos e sacrifícios” (Marcos 12:33).
Empunhar essa bandeira significa fortalecer a essência do cristianismo e não permite que cometamos erros como os que foram cometidos e reconhecidos pela própria Igreja Católica.
Durante o Brasil Colônia, a Igreja Católica foi contra o casamento civil e depois se posicionou fortemente contra o divórcio e justificou sua postura por defender a Sagrada Escritura “… não separe o homem o que Deus uniu” (Mateus 19:6).
Sua defesa às Sagradas Escrituras, no entanto, foi parcial, porque não se posicionou igualmente em favor dos oprimidos, conforme o segundo mandamento de Cristo. Pelo contrário, ela se distanciou de suas raízes cristãs, sendo conivente (com exceção de muitos religiosos), com as atrocidades cometidas não só (o que não é pouco) pela intolerância religiosa contra os não-católicos, mas também pelos abusos contra os indígenas e africanos. Essa conivência da Igreja Católica propiciou-lhe a participação dos lucros da sociedade opressora, fazendo com que a Igreja que já era extraordinariamente rica ficasse mais rica ainda. Para a maioria dos religiosos, os africanos eram considerados mercadorias:
“Não se deve permitir que os administradores dêem pontapés, sobretudo na barriga das mulheres grávidas, e pauladas nos escravos, porque na cólera não se medem os golpes e isto pode ferir a cabeça de um escravo eficiente, que vale muito dinheiro, e perdê-lo”. (recomendação do jesuíta Antonil aos senhores de engenho no Brasil) *
No ano de 2000, ou seja, cinco séculos depois, a Igreja Católica pediu desculpas pelos abusos cometidos contra os brasileiros não-católicos, em especial aos índios e negros durante o período colonial e reconheceu sua própria omissão no combate à escravização dos africanos.
Muitas vezes só podemos entender as consequências do presente, quando ele se torna passado. Não sabemos o que o futuro nos reserva. E se no futuro, a Igreja Católica, revendo sua história, vier a pedir desculpas às crianças que não foram abortadas, mas que perderam o interesse da Igreja após o nascimento; aos não-heterossexuais, pela intolerância aos mesmos e às mulheres por todo período que permitiu ou foi conivente com que as mesmas não estudassem, não pudessem administrar seus bens, que não se separassem de seus maridos violentos e que não tivessem direito ao livre-arbítrio?

(*) SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil (1500-1820). São Paulo, 1962 apud GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Porto Alegre: L&PM, 2016, p.126.

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