Uma grande cachorrada

De José Luiz Boromelo:
De acordo com a Associação Nacional de Fabricantes de Alimentos para Animais o Brasil possui aproximadamente 28,8 milhões de cães. Obviamente que esse é um valor estimado, uma vez que os animais registrados não são cadastrados num sistema único de dados, acrescentando-se a esse rol os cães sem raça definida e os que vivem em estado de abandono, perambulando pelas ruas. Ainda segundo essa entidade, nas duas últimas décadas houve um crescimento extraordinário na comercialização de rações e seus complementos, de acessórios e tudo o que se refere aos “pets”, denominação importada de outro idioma, inserida no cotidiano do brasileiro e que faz referência aos animais.
Interessante seria conhecer o método utilizado para quantificar com exatidão a soma encontrada nessa conta altamente fantasiosa. É só sair pelas ruas e sem muito esforço nos deparamos com cães na imensa maioria das residências, algumas com vários deles mostrando toda a precisão de suas privilegiadas cordas vocais, para concluir que o resultado dessa adição é algumas vezes superior daquele divulgado.
Por conta dessa expressiva população canina convivendo no ambiente doméstico, é certo que alguma parte integrante nessa relação será incomodada, mostrando uma interação nem sempre pacífica. Na área urbana o nível de ruídos extrapola os limites permitidos pela legislação ambiental, mesmo em municípios menores. Some-se a essa situação as intermináveis demonstrações de supremacia canina e está armada a balbúrdia. E quem leva a pior nessa conturbada convivência é sempre o ser humano, que encontra dificuldades para fazer uso de seu sagrado direito ao merecido descanso, especialmente no período noturno.
Recentemente a mídia publicou um artigo que discorria sobre o excesso de ruídos verificados na Cidade Canção, provocado por pessoas que passavam a noite nas vias públicas consumindo bebidas alcoólicas e promovendo algazarras até altas horas da madrugada. Os comentários dos leitores vieram às dezenas, sendo que um deles em especial sugeriu que os incomodados se mudassem para uma determinada cidade conhecida como a capital da uva fina, pois ali decerto não haveria barulho. Um equívoco, uma vez que por aqui também não se encontra a tranqüilidade desejada. Guardadas as devidas proporções com a limítrofe metrópole, os habitantes deste pacato município sofrem com o “destempero oral” dos amigos de quatro patas, que se encarregam com toda a competência de importunar os tímpanos alheios diuturnamente, a ponto de não se conseguir sequer ouvir o noticiário televisivo.
Tem-se a impressão que o comportamento é contagioso, uma vez que a “senha” para a apresentação de gala é um simples latido. Daí para a coisa descambar num tremendo escarcéu é de um milésimo de segundo, em que se destacam um variado e bem ensaiado “repertório” canino. E cá ficamos nós, sujeitos a essa onomatopéia sem limites, coagidos a aturar os instintos ancestrais dos dingos, sem que seus proprietários tomem alguma providência efetiva para minimizar o desconforto com o aparelho auditivo alheio. Em que pese a simpatia e o apreço que dedico aos meus dois fiéis companheiros que se distinguem nesse ponto com os demais, os excessos causam incômodos e irritação.
A perturbação do sossego noturno motivou até a simpática vizinha, que beirando os 75 anos e acometida por insônia e hipertensão arterial, decidiu pôr fim a cachorrice desenvolvendo métodos próprios e pouco ortodoxos. Porém, de nada adiantou lançar mão de seus meios altamente explosivos, uma vez que a mais potente bomba arremessada na cachorrada sequer intimidou o menor deles. É a adaptação ao meio falando mais alto.
Enfim, prezado Pe. Orivaldo Robles estamos numa encruzilhada. Sofremos de males diferentes, mas com sintomas semelhantes. Ou me conformo a contragosto com a situação ou sigo seu conselho, transferindo meu domicílio para o campo. Para permanecer por aqui se faz necessário o uso de alguns acessórios extras como protetor auricular, ou um travesseiro recheado com penas de ganso ou algo parecido. A segunda hipótese é de difícil concretização, pois há que se ter a algibeira bem rechonchuda, o que não é o caso. Como não posso simplesmente mudar de endereço, resta-me torcer para que as noites sejam bastante chuvosas e que a umidade e a baixa temperatura acalmem naturalmente os impulsos caninos. Caso contrário, durma-se com um barulho desses…
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Marialva, PR, março de 2012.
Autor: José Luiz Boromelo
E-mail: strokim@bol.com.br

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