PDU, STJ e o incentivo ao estupro e à pedofilia

De Avanilson Araújo:
Estas duas siglas: PDU e STJ significaram nos últimos dias, o lado mais concreto do que são aqueles que aplicam o direito em nossa sociedade. A primeira delas, PDU – trata-se do Partido Democrático Universitário, um grupo político de direita, formado por jovens futuros advogados, promotores e juízes, estudantes de direito da UFPR. A segunda sigla trata-se do SJT – Superior Tribunal de Justiça. Um dos principais Tribunais do país. O PDU é motivo de repúdio pelo lançamento de uma cartilha machista que propunha, dentre outras coisas, a violência sexual contra as mulheres. Já no segundo caso, a situação é muito mais grave. O STJ absolveu recentemente um acusado de estuprar três meninas de 12 anos de idade, alegando que o fato não foi crime, afinal, as meninas, isto mesmo, meninas de 12 anos, seriam prostitutas e que, portanto, haviam consentido com a violência sexual que foi praticada contra elas.
A uma primeira identificação entre um caso e outro, os estudantes de direito, geralmente, vindos dos setores mais abastados da sociedade, formam a base dos futuros ministros do STJ, que têm o poder de decidir em última instância sobre várias questões da nossa vida. Mas esta não é a questão central. O mais importante nos dois casos é discutir o papel do direito e o de quem o aplica em nossa sociedade composta de classes sociais que se enfrentam constantemente.
Faz parte da ideologia dominante apresentar o direito e o judiciário como se fossem instrumentos neutros e imparciais que serviriam para o bem comum de todos. Mas não é assim que acontece. O direito em nossa sociedade reproduz as diferenças reais que existem na vida, só que para isto, o discurso é da igualdade de tratamento entre ricos e pobres, homens e mulheres, negros e brancos. Quando confrontamos o direito com a sua prática percebemos facilmente isto.
Sempre que ocorre uma greve de trabalhadores por melhorias de suas condições de vida, o Judiciário está prontamente lá, para declarar a greve ilegal, estipular multas milionárias para os sindicatos e, em alguns casos, até para os próprios trabalhadores.
Sempre que ocorre uma ocupação de terra, no campo ou na cidade, onde milhares d homens e mulheres lutam pelo seu direito social negado pelo Estado, o Judiciário estará certamente lá, para emitir uma ordem de reintegração de posse e autorizar o uso da violência policial contra crianças, mulheres, homens e idosos.
Na maioria das vezes que ocorre o aumento de tarifas públicas como transporte coletivo, água ou energia elétrica e alguém questiona esses aumentos, o Judiciário está ali presente para declarar que as cobranças são legais e que, portanto, pode-se aumentar a água, a luz e o transporte, mesmo que nossos salários não tenham os mesmos aumentos. Estes são apenas alguns exemplos de como o direito e judiciário são utilizados em nossa sociedade. Assim é porque de fato não existe igualdade, afinal quem mora em Curitiba no Jardim Social e quem mora no CIC/Sabará não são iguais e desta forma o Judiciário os trata.
Voltando ao caso do PDU e do STJ há um ingrediente a mais, a concepção de que as mulheres são de fato objetos sexuais sujeitas ao desejo masculino. Se for caloura da UFPR ou uma menina pobre de 12 anos, os homens estão autorizados a violar seus corpos.
Outra questão interessante nos dois casos foi a utilização do direito para justificar a violência contra as crianças e as mulheres. O PDU argumentou que o Código Civil os autorizava a estuprar as calouras. O STJ considerou que o Código Penal não devia ser aplicado no crime de estupro, já que se tratava de meninas que estavam na prostituição, portanto, não tinham qualquer dignidade a ser defendida, nem mesmo a do seu próprio corpo.
Mesmo a ONU (Organização das Nações Unidas) repudiu esse julgamento absurdo emitido por uma corte superior do judiciário brasileiro:
“É impensável que a vida sexual de uma criança possa ser usada para revogar seus direitos”; “A decisão do STJ abre um precedente perigoso e discrimina as vítimas com base em sua idade e gênero”1.
O primeiro passo para agir é entender porque somos explorados e oprimidos. Por isso, entender o papel do direito e do judiciário numa sociedade como a nossa é fundamental para pensarmos nossas tarefas de transformação social.
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(*) Presidente Estadual do PSTU-PR, advogado, mestre em Ciências Sociais pela UEL.
1 Fala de Amerigo Incalterra, representante do Regional do Alto Comissariado da ONU para a América do Sul. Fonte: Jornal
Gazeta do Povo, edição de 06.04.2012. Pág.: 5

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