Insubordinação

De José Luiz Boromelo:
Numa entrevista recente a uma emissora de rádio da capital paranaense, o governador do Estado fez uma polêmica declaração. Sem se importar como suas conjecturas de cunho estritamente pessoais seriam interpretadas, afirmou que os policiais militares não precisam de curso superior e que “uma pessoa com curso superior muitas vezes não aceita cumprir ordens de um oficial ou um superior, uma patente maior”. E completou convicto, com a sabedoria proveniente de sua longa e profícua experiência político-administrativa, que aqueles com uma maior qualificação profissional, os diplomados, estão mais propensos à insubordinação hierárquica que os demais. Improcedente essa tese estapafúrdia lançada pelo chefe do Executivo estadual. Sua “brilhante” constatação deve ter sido fruto de algum arroubo insano, provavelmente efeito direto de influências perniciosas que o assessoram e o induzem a emitir conceitos equivocados (sobre um assunto que não domina) perante a sociedade, com relação a uma instituição centenária que ao longo de sua existência presta um excelente serviço à população paranaense. Qual seria o temor que aflige o alcaide? Que os militares estaduais, quando munidos de seus merecidos “canudos” se insurjam contra o poder legalmente constituído, numa suposta tentativa de destituir-lhe do cargo? Classificar seus integrantes como insubordinados é no mínimo uma temeridade e uma infeliz demonstração de desrespeito com aqueles que carregam nos ombros a nobre missão de manter a paz e a ordem, além de ser uma nítida demonstração de injustificada ignorância acerca das peculiaridades da caserna, baseadas nos pilares da hierarquia e da disciplina.
Esse destempero verbal não condiz com a imagem de homem público sensato, detentor do equilíbrio e da razão, e que se transformou em sua marca registrada. Que bicho mordeu, então, Sua Excelência? Diante dos fatos ora constatados, tornam-se inaceitáveis quaisquer justificativas que visem contradizer o teor discriminatório de suas descabidas hipóteses. O descontentamento dos integrantes da corporação foi imediato, repercutindo negativamente em boa parte da categoria. A assessoria de imprensa do governo apressou-se em minimizar o ocorrido, afirmando que a declaração foi retirada do contexto de uma entrevista. Porém, nota-se nas entrelinhas que essa é realmente a sua opinião. E fez questão de deixar isso bem claro, quando optou por manifestar-se naquele importante meio de comunicação de massa, sabedor das conseqüências reacionárias que poderiam advir. Resta saber com quais intenções Sua Excelência o fez dessa forma acintosa. Seria uma maneira nada sutil de alfinetar publicamente os legítimos anseios salariais da corporação, reivindicados recentemente pela categoria?
De tudo o que se viu até agora do gestor atual, incluindo aquela malfadada entrevista, pode-se tirar algumas conclusões óbvias: Sua Excelência definitivamente não nutre simpatia pela classe policial. Tanto é verdade que nunca fez questão de demonstrar qualquer empenho pessoal na negociação do reajuste salarial, uma justa e necessária reposição da já combalida remuneração de seus integrantes. Uma tendência dissonante distingue o ocupante palaciano de seus antecessores: sua predileção por milicianos sem formação acadêmica, por considerar essa condição totalmente desnecessária. Decerto compartilha com seus botões a utopia de ser o comandante supremo (de fato, de direito ou nenhum deles?) de uma tropa muito bem preparada (nas unidades de formação e aperfeiçoamento da própria corporação) e totalmente apta a oferecer uma segurança de qualidade ao cidadão, a ponto de ignorar a relevância de um curso em instituições de ensino superior.
Ocorre que após provocar toda essa celeuma o governador veio a público novamente, agora desacompanhado de teorias factóides e de sua sofrível assessoria, mostrando uma conveniente compostura ao retratar-se pela deselegância impingida aos seus leais colaboradores da área de segurança pública. E mostrou que tem personalidade e humildade suficientes para admitir o erro. Menos mal, quando se espera do gestor público uma conduta condizente com a relevância do cargo que ocupa.
A sociedade almeja a transparência nas atitudes de seus governantes, enquanto responsáveis em propiciar as condições ideais para a manutenção da plena democracia. Que necessariamente sejam norteadas por posturas ilibadas, sem resquícios de conceitos individuais impregnados de pretensa moralidade. Há que se buscar, incansavelmente, o respeito às corporações e aos seus integrantes enquanto partícipes de um mesmo sistema, cujos objetivos comuns venham a garantir os direitos elementares do cidadão. Esse é, decididamente, um anseio legítimo do povo paranaense.
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(*) José Luiz Boromelo, policial militar rodoviário da reserva remunerada, escritor, cronista e cidadão paranaense.

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