Ao pai, no seu dia

Do padre Orivaldo Robles:
Nem bem eu tinha ganhado a calçada, desceram à minha frente. Com o carro estacionando, escutei, lá dentro, uma gostosa risada da menina. Franca mostra de alegria e tranquilidade. Que a ouvissem todos que andavam por perto. Ela não se importava. Saltou do carro, deu a volta e se juntou ao pai. Com ambas as mãos agarrou-lhe o braço, aninhando no seu ombro esquerdo a cabeleira castanha e basta. Continuou falando alto e rindo à vontade. Caminhava enroscada nele, com gosto e feliz. Confiança total da parte dela, ternura imensa da parte dele. Perfeito quadro para um comercial de TV sobre amor entre pai e filha. Ele, na idade que imagino a mais gostosa de ser pai. Pelos quarenta e cinco anos, pouco mais, pouco menos. Tinha, há muito, vencido os temores do início. A fase do garotão assustado, que não sabia cuidar de um bebê, mas tinha vergonha de confessá-lo. Ela, nos seus quinze, trilhava bem no meio a estrada chamada adolescência que, em tantos casos, separa pais e filhos. Mais: coloca-os em campos opostos, não raro, como ferozes contendores. Estes dois não passaram por isso. Se o fizeram, foi há muito tempo. Envolviam-se no âmbito claro do amor. Pelo visto, nutriam uma amizade forte, bem construída. Fizeram-me lembrar uma recomendação de educadores que escrevem livros e dão palestras. Ensinam eles que pais e filhos não devem ser amigos. Pai é pai, amigo é amigo. Cada um no seu quadrado. Recomendam que não misturem os baralhos. Pai e filho jogam cada qual o próprio jogo. Distintos entre si, bem entendido.
Sei não. Há muito, venho refletindo sobre a nossa história de vida. Como se deram as coisas lá em casa, no nosso convívio de filhos com o pai. Concordo que pai e filhos não possam mesmo sustentar aquela amizade comum entre garotos, que pode partir para a irreverência. Não dá para aceitar que sejam amigos a ponto de um chutar o traseiro do outro, dar tapa na cabeça ou passar rasteira. Dois irmãos, por mais que se queiram bem, lá vez por outra, aprontam coisas do tipo. Familiaridade assim entre pai e filhos descamba para o desrespeito. Afora isso, não vejo o que impeça entre eles uma amizade real e profunda.
Desde que me lembro, o pai foi nosso amigo. Quando a cavalo, ele nos punha na cabeça do arreio ou na garupa, conforme íamos crescendo. Sempre junto de si e em segurança. Ensinou a fazer papagaio de empinar, estilingue e arapuca de pegar passarinho. A pescar de peneira. Quem aprendia era o Eraldo, três anos mais velho. Eu só ficava assistindo. Depois ia junto para conferir o resultado. A vida inteira, o chamamos de senhor. Tomamos-lhe a bênção de manhã e à noite. Para controle da situação bastava-lhe o olhar. Ou um leve “ram-ram” da garganta. A gente obedecia sem discutir. Também sem nenhum temor. Nem falso desejo de agradar.
Nunca lhe dei presente no Dia dos Pais. Morando na roça, nem sabia dessas coisas. Depois, me sentia velho demais para adotar o costume. Mas também nunca tive precisão de anúncio comercial para me convencer do seu valor. Lá em casa era simplesmente impensável a vida sem ele. Ninguém precisou me falar do amor de pai com data marcada. Meu amor por ele era coisa de sempre, não de dia escolhido. Mesmo que nossa família não fosse perfeita, como nunca foi. Hoje, decorridos trinta anos de sua partida, sinto ainda sua ausência. E lamento não lhe ter retribuído por inteiro seu amor de pai.

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