A Jhonatan e a Leandro: coadjuvantes da violência como espetáculo

De Ana Lúcia Rodrigues:
“Maringá não é violenta”. Essa é a opinião de 59,2% dos respondentes à enquete de O Diário de 26/08/2012 que, por sua vez, corrobora a imagem que a cidade busca consolidar. Leandro Ferreira Mendes dos Santos (24 anos) e Jonathan Mateus Pereira dos Santos (15 anos) foram assassinados no último final de semana. Alguém os matou, mas, foram muitas mãos, foram muitas ações e omissões que ajudaram a puxar os gatilhos. É sabido e propagado que a violência se trata de um dos mais graves problemas que se desenvolve no terreno fértil da sociedade atual. E esse terreno é adubado diariamente pela concentração da riqueza em detrimento da dispersão da pobreza e do abandono de tantas pessoas à própria sorte e pela transformação da violência em mercadoria.
Isso não retira a responsabilidade de quem cometeu o assassinato. Mas quando as pessoas irão se sensibilizar de verdade e exigir que, a partir de agora, nenhum jovem seja mais assassinado? E não estou falando aqui de montar ONG’s ou entidades para acessar recursos públicos e aplacar as próprias consciências, fazer passeatas de protesto vestindo camisetas baby look pretas ou adesivar o carro com frases piegas, pois isso é o que tem sido feito.
Estou falando de exigir que os gestores públicos cumpram as leis, pois o Brasil felizmente vive sob um Estado democrático de direito, regido por uma constituição que garante a cada brasileiro todos os direitos. Estou dizendo que estes gestores públicos, legisladores, servidores do poder executivo e judiciário e, principalmente, os portadores de mandatos são co-responsáveis diretos por todos os assassinatos que ocorrem em cada canto do país e com freqüência cada vez maior em Maringá.
Falo dos gestores públicos de todas as instâncias (federal, estadual e municipal), que se recusam elaborar e/ou aprovar leis que cobrem igualmente impostos das empresas e das grandes fortunas, como pagam os demais trabalhadores brasileiros; que não destinam recursos para atender, de verdade, as classes de rendas baixas nas suas necessidades urbanas por moradia, saúde, educação e transporte público; que mantém o clientelismo político no país inteiro com o velho “toma lá, dá cá”; que não implantam estruturas de alta qualidade para as escolas públicas e educação integral; que proferem sentenças judiciais garantindo aos proprietários dos grandes terrenos urbanos o não pagamento de IPTU; que garantem a legalidade de contratos de serviços públicos absolutamente injustos; que removem famílias moradoras de espaços centrais para periferias longínquas porque os agentes imobiliários (loteadores, construtores, incorporadores) não querem enclaves de moradores de renda baixa próximos aos seus empreendimentos; que repassam bens públicos para os amigos e correligionários implantarem seus negócios privados em fraudulentas licitações eivadas de favorecimentos.
Daqueles que atendem somente aos seus “clientes”, desprezando os interesses da maioria da população e, assim, assinam contratos de concessão de transporte coletivo com garantias abusivas às empresas concessionárias e péssimas condições de serviço aos usuários; investem milhões em obras que não servirão para melhorar a vida das pessoas; mandam livros de bibliotecas públicas para a reciclagem; não constroem casas populares e afastam moradores de baixas rendas para os municípios vizinhos. Os mesmos que gastam fortunas do orçamento público para fazer marketing mostrando na propaganda nada mais do que lhes competia realizar quando foram eleitos.
O contexto deste panorama inclui ainda mecanismos invisíveis: é no cotidiano de cada um, pelas mais diversas e inimagináveis formas, que a violência é forjada. Na nova fase da economia do entretenimento um destes mecanismos é a transformação de pancadaria em espetáculo e num excelente negócio. Por exemplo, uma das atividades do homem mais rico do Brasil hoje, depende de uma sociedade que consuma a violência considerando-a um inocente espetáculo de luta. Ele detém os direitos do UFC no Brasil e sua empresa IMX realizará nos próximos meses mais de 50 shows de MMA no país, tal como os romanos quando atiravam os cristãos aos leões diante de uma platéia que vibrava entusiasmada. Os protagonistas desse grande espetáculo enriquecerão mais e os coadjuvantes quedarão assassinados na luta da vida real.
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(*) Ana Lúcia Rodrigues – pós-doutora em Urbanismo (FAU/USP); doutora em Sociologia (PUC/SP); coordenadora do Observatório das Metrópoles e professora do DCS da UEM.

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