Vida de repórter no chiqueirinho

Segunda-feira, 4 de fevereiro, a presidenta Dilma Rousseff visitou Arapongas. Sem carro, recorri ao amigo Narciso, que trabalha na RTV de Apucarana. Combinamos a saída para chegar ao assentamento Dorcelina Folador, local da visita, por volta das 12 horas.
Quanto mais cedo, melhor. Menos congestionamento e dificuldades para pegar as credenciais. Cheguei a Apucarana às 11 horas. Mas Narciso disse que o pessoal da TV havia mudado os planos. Não poderia mais ir naquele horário.
De última hora, não consegui carona. Narciso me levou até o assentamento, que fica na estrada Araguaia, cuja entrada é próxima do distrito de Aricandura, na BR-369. Da rodovia até lá dá uns seis quilômetros.
O local já estava lotado. Uma fila para pegar credenciais. Na minha frente, estava Pedro Barros, representante de um jornal de Arapongas, que não havia se credenciado.
Um homem de cabelo curto e preto, de calça jeans e tênis, aparentando uns 35 anos, cara de indiano, distribuía as credenciais. Barros explicou a situação. O rapaz mandou aguardar. Eu entreguei minha foto com a identidade e recebi a credencial.
O sujeito que emitia o documento apontou para Barros e me disse: você conhece este senhor? Respondi que sim. Ele pegou um crachá e uma foto improvisada e o liberou.
Barros tentou se desculpar. Disse que enviara os dados à Assessoria de Imprensa do Palácio do Planalto, mas o atendente retrucou. “Não, o senhor não enviou, se enviasse estaria aqui”, disse. Ele confirmou que não se cadastrara. “Passa, mas só essa vez”, alertou.
Vem um sujeito com crachá da Emater e anuncia aos jornalistas: “Se quiserem almoçar é só chegar ali na barraca”. Muitos foram. Inclusive eu. Era quase uma hora da tarde.
Uma boquinha e voltamos. Para retornar, que dificuldade! Uma fila enorme. Já estava credenciado, pedi licença e fui pelas laterais. Cheguei ao portão com detector de metais. Narciso estava lá com um cinegrafista. Diz que haviam feito o credenciamento, mas os nomes não estavam na lista.
Não pude esperá-lo nem ajudá-lo. Segui. Levaram-me para um local em que ficam os jornalistas, apelidado de chiqueirinho. Rogério Fischer, que fora meu editor em O Diário do Norte do Paraná estava lá. Cigarro aceso. Perguntei se não parara de fumar. “Parei, mas depois de sete anos e meio voltei”.
Dezenas de jornalistas chegaram. Chiqueirinho lotado. Atrás, o público. Na frente, autoridades e papagaios de piratas. De bico e penas variados.
Às 15h10, um helicóptero se aproximou do local. O telão mostrou. Fischer disse: “Olhe a mulher aí”. Ele acendera o sexto cigarro. Ou o sétimo? Perdi a conta.
Dilma chegara. Ela embarcou num carro preto. Desceu ao lado da cooperativa que iria inaugurar. O prefeito de Arapongas, padre Beffa, a recepcionou.
Eu e alguns fotógrafos nos posicionamos na escada do tablado onde estávamos. O povo lá de trás se revoltou e jogou areia na gente. Estávamos impedindo-os de ver o telão.
Antes disso, o rapaz cara de indiano chamara fotógrafos e cinegrafista para registrar a visita de Dilma pelo assentamento. Ela inaugurou uma cooperativa de derivados de leite. E eu? Sou repórter e fotógrafo. Tentei argumentar. Nada feito. No crachá estava repórter. Não pude ir.
Paciência. Já havia exercitado-a com exaustão. Não custa um pouco mais. Permaneci no chiqueirinho. O telão mostrava imagens da presidenta percorrendo as instalações da cooperativa. Ela parava, conversava, recebia explicações. Dali a pouco, deram quatro horas.
Um grupo começou a gritar: “Dilma chega pra cá que o povo tá cansado de te espera”. Nada de a presidenta entrar ao recinto. Eram 16h20, quando o mestre de cerimônia anunciou as autoridades para ocuparem seus lugares.
Vem a falação. Uns falam demais; outros menos. O rosto das pessoas atrás do nosso chiqueirinho denunciava cansaço. Enfim, Dilma. Discursou por 32 minutos. Concluiu dizendo que saía dali com a alma lavada e enxugada.
No começou do discurso de Beto Richa, houve um princípio de vaia, logo abafado pela comissão de frente. O governador não desgrudou da presidenta. Roberto Baggio, líder do MST, arrancou aplausos e pediu que o público respeitasse as autoridades.
Quem vê Dilma de perto, comprova que ela não é mais aquela da campanha passada. Falou com desenvoltura. Chamou várias pessoas pelo nome. Elogiou Dirlete, uma das líderes dos sem-terra do Dorcelina Folador, por mais de uma vez.
Pereira da Viola, um dos maiores violeiros do Brasil, executou o Hino Nacional. Que beleza! Pelo menos isso. Recebeu um abraço de Dilma. Grande Pereira!
De alma lavada e enxugada, lá foi Dilma. De volta para Brasília. A imprensa permaneceu no chiqueirinho. De cima do tablado vi João Pedro Stédile entre os convidados. Aproximei da grade que separava os recintos e vi o veterano jornalista Osny Calixto. Há mais de 15 anos não o via.
Cumprimentei-o e pedi que chamasse Stédile. Dali a pouco o líder dos sem-terra veio. Rendeu uma entrevista. De resto, restou ir embora. Barros me deu uma carona. Não vi o Narciso. Acho que ele não conseguiu chegar ao chiqueirinho.
Depois de tanto aperto. Tanta restrição e ordem. Ufa, acabou. Não! O caminho de volta. Um caminhão do Exército impedia a passagem dos carros. Fischer desceu. Foi lá. Nada. Mais uns 20 minutos de espera.
Na estrada de chão que liga o assentamento à BR-369, uma fila de carros. A imagem do chiqueirinho na minha mente. Haja paciência!

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