Cobertura policial agressiva e perturbadora

Há quase duas semanas o maringaense Jorge Mariano Marcondes Ferraz, 54, foi morto em Curitiba, quando visitava a família. Seu filho, que foi fotógrafo da Câmara de Maringá, escreveu no Facebook sobre a atuação da imprensa policial na cobertura do fato: “O Siate foi realmente rápido. Mas sabe quem foi mais rápido ainda? As equipes de jornalistas que chegaram ao local. Chegaram antes das viaturas, já com filmadoras ligadas, câmeras disparando e perguntas sendo feitas. Sem qualquer tipo de respeito pela dor, pela tragédia e pela situação em que nos encontrávamos. Apenas um, um cinegrafista, que não sei de qual emissora, saiu de perto e não fez imagens após o meu pedido. E antes que venham aqui me falar que eles estavam apenas fazendo o trabalho deles e que eu não sei como é isso, eu sou jornalista e eu já fiz cobertura policial. Mas foi após a minha primeira cena de crime que nunca mais cheguei perto desse tipo de cobertura. O motivo é muito simples: eu tenho um mínimo de respeito e decência.

É abominante a maneira como esses ditos comunicadores chegam a locais como a cena do assassinato do meu pai. Não perguntam, não pedem permissão, não se manifestam. Apenas acendem as luzes de suas câmeras, grudam os dedos nos disparadores e começam a registrar tudo o que está acontecendo. Não duvido que existam imagens do meu pai caído na calçada comigo debruçado por cima dele enquanto tentava estancar o sangue que vazava dos ferimentos. A abordagem desse tipo de cobertura é completamente abusiva, desrespeitosa e errada. Qual a necessidade de mostrar um corpo caído no chão? Qual a necessidade de registrar o sofrimento de uma mulher e de seus dois filhos que acabaram de ver seu marido e pai ser assassinado? Nenhuma, absolutamente nenhuma.
Alguns podem vir dizer que os jornalistas que chegaram ao local são pagos para isso, que esse é o trabalho que fazem e que são apenas empregados de um conglomerado, que não escolheram estar ali. E eu sei disso. Sei disso porque já passei por isso. E o que eu fiz? Eu pedi afastamento, disse que não era capaz de ser parte de tamanho desrespeito para com pessoas em um momento tão dolorido e particular.
Um deles, repórter da Gazeta do Povo teve a capacidade de me dizer que as minhas informações seriam úteis para auxiliar nas investigações. Essas informações devem ser passadas à polícia, que por sua vez nos atendeu prontamente, e não aos jornalistas. Outra, cinegrafista da TV Bandeirantes, ficou muito nervosa quando eu – educamente, apesar da situação – pedi para que ela parasse com a filmagem. Após a resposta negativa e de que “estava filmando apenas uma ambulância na rua”, a ambulância que estava com o cadáver do meu pai dentro, eu coloquei a mão na frente da câmera e fui rebatido com um sonoro “você está louco?” enquanto outro dizia que “era melhor para mim se eu deixar filmar”. Loucos estavam eles! Então é certo que têm direito de registrar absolutamente o que quiserem e eu não tenho direito de impedir? Antes que venham com outra afirmação, eu sou fotógrafo. Reconheço o valor de uma imagem, o peso de uma foto e de um vídeo. Mas reconheço também as diversas vezes em que me pediram para respeitar um momento e não registra-lo. Pedidos que foram atendidos pela minha parte. Pedidos que não me fizeram reclamar por ter de desligar minha câmera ou apagar uma imagem pelo simples fato de que o respeito vem muito antes da necessidade de uma informação dessas. Todas as informações referentes ao caso podem ser obtidas com a polícia, com o IML, com o Siate. Afinal, agora, para esses jornalistas, meu pai não passa de uma estatística. Amigos vieram me dizer que saíram notícias – que depois foram editadas ou removidas – falando sobre acerto de contas e envolvimento com drogas. Como é possível veículos que se dizem idôneos publicarem informações tão escabrosas e mentirosas? Onde fica o compromisso com a informação?
Tenho a sorte de poder trabalhar em um veículo onde esse tipo de informação não é relevante. Para aqueles que não gozam do mesmo destino que eu tive no mercado da comunicação e para aqueles veículos que promovem esse tipo de jornalismo, eu peço apenas respeito. A cobertura policial realizada dessa maneira, com equipes acompanhando viaturas e frequências de rádio, é uma das atividades mais agressivas e perturbadoras que existem no meio da comunicação. Me sinto mal em saber que existem profissionais e veículos que apoiam tal iniciativa e realmente se preocupam mais em obter uma imagem chocante que em prezar pelo bem estar das vítimas de tantas barbáries que acontecem por aí.
O jornalismo policial e investigativo é parte fundamental da comunicação e deve ser realizado de maneira correta, idônea e que não prejudique aqueles que sofrem com as situações. Ao mesmo tempo em que citei o repórter da Gazeta que estava presente no local, cito Mauri König, um dos mais respeitados e respeitosos profissionais que já conheci em minha vida de comunicador e jornalista do mesmo veículo.
Tudo que peço é respeito. Respeito pela dor alheia, pelo sofrimento. Isso não é difícil. Como jornalista, fico triste em saber que a necessidade de informar cresceu tanto que hoje em dia, nem os mortos podem seguir seu caminho em paz.”

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