Permissividade democrática

manifestação
De José Luiz Boromelo:
?O país experimenta uma das maiores ondas de manifestações públicas desde as passeatas dos “caras-pintadas”, que culminaram com a deposição de um presidente da república na década de 90. Por todo o país as demonstrações de insatisfação tomaram conta das ruas e logradouros públicos, reunindo multidões que ultrapassam as centenas de milhares de manifestantes. A maioria das manifestações foi pacífica, mas em alguns locais houve casos de vandalismo. Veículos incendiados, prédios públicos depredados, estabelecimentos comerciais saqueados e outros casos de violência foram registrados. O confronto com o aparato de repressão foi inevitável e o saldo não poderia ser diferente: policiais, guardas municipais e manifestantes feridos, envoltos num verdadeiro campo de batalha. Na capital da República, a cobertura do Congresso Nacional foi tomada por manifestantes portando cartazes e gritando palavras de ordem, mostrando a indignação do cidadão com a situação atual do país.
?De acordo com um renomado instituto de pesquisa, a maioria dos integrantes desses movimentos é composta por jovens, estudantes e sem filiação partidária. Os motivos que originaram os protestos supostamente teria sido o aumento da tarifa do transporte coletivo da capital paulista, mas as justificativas estampadas em cartazes, faixas e todo tipo de material não deixam dúvidas sobre o estopim que desencadeou a crise: é evidente que meros R$ 0,20 não foi a causa da repercussão nacional que provocou o chamado “efeito dominó”. A insatisfação com os péssimos serviços públicos prestados à população, o descontentamento com a classe política, os gastos exorbitantes com a construção dos estádios para a Copa do Mundo e uma infinidade de problemas que o brasileiro enfrenta no seu cotidiano pesaram na balança. As redes sociais transformaram-se num meio importante de divulgação dos protestos, mobilizando um número incalculável de pessoas em tempo real, amplificando o poder de cooptação de simpatizantes para a causa comum.
?Porém, a plena democracia exige uma via de mão dupla. Nem tudo é permitido quando se pretende conquistar direitos praticando atos radicais e manifestando-se com atitudes contrárias a lei e a ordem pública. Não se pode manter a intransigência num momento de tensão como esse e ao calor dos acontecimentos. O respeito às garantias constitucionais deve prevalecer, servindo de parâmetro para novas manifestações. A equivalência de direitos é imprescindível, enquanto a liberdade de expressão se fizer presente. Os casos de danos ao patrimônio público e privado e as agressões aos agentes públicos não representam o interesse maior da sociedade, em hipótese alguma. Sabe-se que esses fatos perpetrados por uma minoria ocorreram em praticamente todas as manifestações pelo país, mostrando que nem todos estão engajados pelos mesmos objetivos. No entanto, o poder de persuasão das massas é contagiante, enquanto estimuladas por uma causa justa e amparadas em aspirações legítimas.
? Faz-se necessário nesse momento que se estabeleça o diálogo produtivo entre as partes envolvidas no processo, até para que se retome a normalidade e a vida siga seu rumo. Mas as conseqüências se farão presentes na história recente do país. As demonstrações de cidadania foram a prova fiel de que a união em busca de interesses comuns é o caminho para se mudar os destinos de uma nação. Esse é apenas um dos diferentes meios para se atingir a plena democracia. O maior deles ainda é a escolha dos representes do povo, através do voto. É a bandeira democrática que devemos empunhar, sem qualquer tipo de idolatria político-partidária. O país encaminha-se para novos tempos. Que venham os “caras-pintadas” com seus cartazes, seus gritos de liberdade e sua vontade em “lavar a alma” por um país mais justo, conferindo-se a esses determinados brasileiros a responsabilidade ímpar de representar os anseios de um povo ordeiro e trabalhador. E viva a democracia!
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?(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista
(**) ilustração Inti

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