Não foram suficientes?

De José Luiz Boromelo:
stfO país assistiu de camarote aos últimos capítulos da longa e tumultuada novela ambientada nas dependências da mais alta Corte desse país. O julgamento dos réus da Ação Penal 470, popularmente denominada como “Mensalão” direcionou as câmeras e holofotes aos eminentes ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) durante todo o processo, mas especialmente na fase final chamou a atenção pelas manobras dos advogados de defesa dos acusados. Após o estabelecimento da dosimetria da pena agora os julgadores se vêem às voltas com o recurso chamado embargo infringente, que na prática concede o direito de um novo julgamento a pelo menos dez réus. Com o acatamento desse pedido pela maioria do colegiado, a decisão final para o cumprimento efetivo das penas certamente será procrastinada por um bom tempo, deixando no ar a sensação de impunidade num momento de agitação social por que o país passa atualmente.
Os questionamentos concentraram-se na legitimidade (ou não) do referido recurso, uma vez que existia a discordância na própria Corte sobre a validade dessa derradeira ação. É sabido que os integrantes daquele tribunal maior são oriundos da própria sociedade, a mesma em que atuaram por um determinado período, um dos requisitos para a indicação ao cargo atual. E no pleno exercício de suas funções, certamente tiveram a incumbência de analisar casos semelhantes naquela esfera de atuação. Imagina-se, portanto (por analogia e equivalência) que as decisões sobre o polêmico julgamento (acompanhadas em tempo real pelo telespectador) sejam revestidas de total imparcialidade. É o mínino a se esperar de uma justiça morosa, inacessível e muitas vezes desprovida da necessária eficácia. Que se mostra tendenciosa no momento em que privilegia uma casta escancaradamente influente em detrimento do cidadão comum e que permite inclusive atitudes protelatórias sob as vistas da sociedade que representam transitoriamente.
Durante o decorrer do processo os réus tiveram acesso à ampla defesa e ao contraditório. Puderam arrolar testemunhas, anexar documentos e expor à exaustão seus argumentos acerca das acusações a eles imputadas. O que não se compreende, portanto é a decisão em aceitar esse subterfúgio utilizado sabidamente para postergação de uma decisão soberana e reconhecidamente legítima, uma vez que não foram apresentados quaisquer fatos novos que justifiquem tal iniciativa. O que haveria ainda para se discutir naquele plenário sobre as penalidades aplicadas aos acusados, partindo-se do princípio de que não restaram dúvidas quanto a autoria dos fatos contidos naquele processo? Que interesses outros que não o estrito cumprimento das normas regimentais (visando preservar as garantias constitucionais do indivíduo) estariam por trás dessa decisão, amparadas em explanações longas e complexas, redigidas num palavreado inacessível para a imensa maioria da população? Nem por um momento sequer os ministros voltaram seus pensamentos para os recentes fatos ocorridos no país, quando centenas de milhares de pessoas protestaram exigindo postura coerente de seus representantes? As vidas perdidas, os prejuízos materiais e os transtornos para o país não foram suficientes para sensibilizar Suas Excelências sobre a necessidade premente de se passar o país a limpo? Por acaso imaginam que a relevância do cargo que ocupam atualmente os isentam de responsabilidades ante a insatisfação popular, a ponto de ignorarem o clamor público?
É evidente que a decisão em se aceitar os embargos não implica na absolvição dos réus. Porém, o cidadão fica com a impressão de que a justiça passa ao largo dos aquinhoados pelo poder, uma vez que o resultado do julgamento não foi o esperado. Resta o sentimento de indignação de uma nação inteira, momentaneamente impossibilitada de mudar os rumos de fatos como esse. E a resposta mais uma vez, poderá vir das ruas.
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(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista

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