Capitanias hereditárias

De José Luiz Boromelo:
capitaniasAtualmente existem no Brasil nada menos que 32 partidos políticos. Esse espantoso número (que tende a aumentar ainda mais) sugere uma diversidade inimaginável de ideologias e doutrinas partidárias totalmente distintas. Interesses ocultos vagueiam sob as siglas que se proliferam sem critérios e acabam por confundir o eleitor. A multiplicidade de partidos políticos sem identidade nem representatividade alguma foi possível a partir de recente alteração jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, que garante aos recém-filiados (entre outras prerrogativas) o tempo correspondente no rádio e na televisão e os valores relativos ao Fundo Partidário. Nota-se que os novos partidos são uma forma de abrigar lideranças insatisfeitas e viabilizar projetos pessoais na disputa por poder e na realocação de interesses próprios. Não existem preocupações com programas, ideologias, pragmatismos ou coerências. Nessa teia partidária complexa e altamente suscetível a acordos de todo tipo, não há condição alguma para que o país avance e a democracia seja exercida como deveria. A alardeada reforma política ainda não decolou, menosprezada pela enxurrada repentina da criação de siglas descartáveis capitaneadas por seus dirigentes nômades, que trocam de legenda visando apenas servir a direcionamentos específicos. Estão disponíveis para atender a qualquer candidatura que lhes sejam convenientes, bastando para isso o aceno de algum interessado nessa promissora empreitada.
A debandada de parlamentares para as novas legendas prejudica os partidos tradicionalmente estabilizados e dificulta sobremaneira a governabilidade. Da forma como foram originadas, as novas agremiações não favorecem a consolidação da democracia, apenas engrossam a lista de partidos inconfiáveis e sem densidade eleitoral. A representação popular corre o risco de ser pulverizada num universo de eleitores indecisos diante de agrupamentos insossos e siglas artificiais, dos quais não se vislumbra absolutamente nada de produtivo para a nação. Quantidade nunca foi e nunca será sinônimo de qualidade e o adágio popular se aplica perfeitamente nesse caso. Estamos diante de uma perversa tendência política, estimulada pela anuência e a chancela oficial da instância maior desse país. Os donatários da atualidade ensaiam introduzir no país um modelo semelhante a capitanias hereditárias particulares, demarcando politicamente suas áreas de atuação utilizando o eleitor como mero instrumento para a consecução de seus propósitos, turbinados com recursos públicos.
A sociedade deve estar atenta a esse movimento alimentado por interesses escusos. O povo está cansado de promessas e da longa espera por medidas que nunca são efetivadas. Também não quer saber dessa invasão desordenada de siglas esquisitas e coligações que superam os limites do ponderável. O cidadão exige o devido respeito aos direitos elementares garantidos pela Constituição como educação de qualidade, atendimento digno na área de saúde e mais segurança para as famílias, em sintonia com investimentos consistentes e duradouros para a geração de emprego e renda. Se nossos representantes errantes insistirem nessa prática explicitamente mercadológica, certamente serão responsabilizados por seus atos num futuro próximo. A população se encarregará de responder à altura. De forma ordeira e democrática, como seria de se esperar. Ou não.
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(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista.

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