Maringá, mãe ou madrasta?

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoOs pioneiros desta cidade agregaram ao nome Maringá os qualificativos “novo” e “velho”. O novo desapareceu pouco depois; o velho continua até hoje para designar o bairro onde a cidade começou. Os que chegaram naqueles sofridos tempos eram homens rudes, de mãos calejadas e rosto queimado de sol. A maioria era competente em derrubar mato, queimar coivara e plantar café. Da língua pátria pouco tinha conhecimento. Não sabia que nome de cidade leva adjetivo do gênero feminino. Como fez, na construção “nossa amada Maringá”, o poeta e professor Ary de Lima, a quem me coube a honra de ter como colega no querido Colégio Gastão Vidigal. Com razão até maior do que outras, Maringá é feminina. Pois não se chamava Maria do Ingá, na canção que a batizou, a retirante nordestina e imaginária musa de Joubert de Carvalho? Todos os que por aqui passam dedicam-lhe elogios feitos com adjetivos ou pronomes femininos. Sempre escutamos: “Maringá é linda. Deve ser muito bom viver nela”.
Nossa cidade exibe o encanto de uma sedutora mulher, que desperta paixão logo ao primeiro olhar. Não fui eu que inventei isso. Venho ouvindo-o desde meus dezesseis anos. O tempo só fez crescer em mim um amor de que não me sabia capaz. No seu cinquentenário, faz dezessete anos, eu lhe dirigi uma saudação que hoje reconheço um tanto melosa. Mas como não ser meloso falando àquela que se conheceu como graciosa menina de dez anos? Eu me permiti, na ocasião, pieguices deste calibre: “Que saudade da garotinha que embalamos no berço de mato e chão batido. Que nos garantia uma união de meninos vivendo juntos, olhando-nos de frente e sorrindo sem disfarce. Era o tempo em que partilhávamos tudo. O pão era branco; o dia, claro; a palavra, direta. Sentíamo-nos abertos e puros, animados de coragem para enxugar o suor uns dos outros. Estendíamos as mãos com transparência e as apertávamos sem medo. Não havia susto em nossas noites nem desconfiança em nosso olhar”.
Para mim Maringá irradiava a ternura de um colo de mãe. Notaram que até seu aniversário tem um traço materno? Cai perto do Dia das Mães; às vezes nele. Talvez para recordar que ela nasceu para acolher os filhos. Todos os filhos, sem excluir um sequer.
Agora me angustia uma preocupação difícil de ocultar. Quando me recebeu, mais de cinquenta anos atrás, Maringá ainda cheirava a mato e sujava-se no pó e no barro, como lembram idosos que têm a minha idade. Mas era uma cidade deliciosa, que nos envolvia num abraço de mãe. Nela nos sentíamos em casa. Não havia essa distância que hoje separa uns de outros; ricos, de pobres; os do centro, dos da periferia; os que aqui moram, dos obrigados a morar em cidades afastadas; os que se acham importantes, dos que são vistos como pés-rapados.
Compreendo que a cidade cresceu além do que se pensava. Mas mãe que é mãe não discrimina um filho por ser menos prendado que outro. Ao contrário, dá atenção maior ao que é menos favorecido. Na casa em que uns são considerados mais filhos, outros menos, algo está muito, muito errado mesmo. Dá pena ver Maringá passando de mãe amorosa a madrasta desumana, que mima uns enquanto pisoteia outros.
Perto dos setenta, a formosa dama de hoje precisa redescobrir a inocência do seu tempo de menina. Brilho sem amor não vale nada. É pura hipocrisia.

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