As dores de cada um

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoDom Jaime gostava de citar o versículo 10 do salmo 90: “Os anos de nossa vida são setenta; para os mais robustos, oitenta: assim mesmo cheios, em sua maior parte, de fadiga e aborrecimento”. Acho que para mostrar que era um caso raro. Não completou um século, como pretendia, mas chegou perto. Morreu aos 97 anos. Poucos atingem essa marca.
Em nossos dias as pessoas vivem mais que no passado. Todos os países apresentam crescimento na expectativa de vida do seu povo. Quando era jovem, eu fazia as contas: no ano 2000, na virada do século, estarei com 59 anos. Parecia uma coisa longínqua, que nunca ia chegar. Hoje, meus 59 anos continuam distantes. Só que lá atrás. Nunca mais voltarão.
Com pesar percebo que minha disposição física não é a mesma. Mudou muito. Para pior, infelizmente. Já comentei a opinião de um amigo meu, homem simples, mas de grande sabedoria. Certa ocasião, ele me disse: “Olhe, padre, nós estamos naquela idade em que as pessoas não perguntam ‘Como vai’, mas ‘Onde dói’”. Verdade. No passado, com frequência, eu aceitava convite de amigos para pescar. Não sou grande pescador; mas é o hobby que mais me atrai. Uma distração que me reanimava para o trabalho. Fazia anos que eu não pescava mais. Outro dia, um amigo querido teve a bondade de me levar ao velho Paranazão. Levei um susto. Não pensei que eu tivesse envelhecido tanto. Subir num bote ou apear dele viraram tarefas quase impossíveis. Não fosse o amigo me ajudar, eu ainda estaria lá me esforçando para conseguir. Um vexame. Em vez de companhia me tornei saco de sal. Assim chamávamos, nos bons tempos, ao colega que, em lugar de ajudar, dava trabalho. Como eu, agora.
Não só é menor a disposição, mas o corpo está mais pesado, mais lento, mais enfraquecido. Envelhecer é, sim, uma arte. Mas a carga parece maior a cada dia. Com frequência recebo indicativo de que a saúde exige cuidados que, antes, não pareciam importantes. À pergunta sobre tal ou qual sintoma, era comum eu responder: “Não sei o que é isso”. Não por presunção, mas com sinceridade. Apesar de minhas antigas cólicas renais ou neuralgias do trigêmeo. Mas dor é assim mesmo. Na hora a gente reclama, geme, urra, rola no chão. Passou, não lembra mais.
Talvez para eu não esquecer que sou um frágil mortal, sujeito, como todos, às fraquezas que nos acometem, fui contemplado com uma “inflamação aguda, produzida por Herpesvirus varicellae, dos gânglios sensitivos da espinha dorsal, com erupção de vesículas na pele e dores nevrálgicas”. Não que eu entenda esse palavrório empolado. Copiei-o do dicionário em que fui buscar o sentido de herpes-zóster, nome da enfermidade que, por causa da imunidade baixa, me atacou. Noite dessas, dormi a conta-gotas. Dor enjoada e persistente incomodava-me o lado esquerdo do tronco. Surgiu depois a erupção que, na infância, lá na roça, o povo chamava “cobreiro”. Mas o meu tinha altura de um centímetro. E doía sem parar. Deus teve pena deste pobre pecador. Colocou no meu caminho pessoas especiais. Trataram-me com competência e carinho. Cá estou eu, com dores ainda, mas bem melhor do que nestes dias passados.
Não conheço herpes labial ou genital. Mas o herpes-zóster sei que dói um bocado. O consolo é que, conforme li, quem já teve herpes-zóster dificilmente terá uma segunda vez.
Será por falta de tempo? Vai saber.

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