As palmadas da lei

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoNão lembro se já contei este episódio. Recordo bem coisas do passado, mas ando esquecendo as recentes. Tenho medo do alemão que ronda gente da minha idade. O tal do Alzheimer, que acompanhou o padre João de Castro Engler nos seus últimos dias. Teólogo insigne, professor no Studium Theologicum, de Curitiba, afiliado à Universidade Lateranense de Roma, Engler morava no seminário anexo ao Studium. No final da vida recolheu-se ao seu quarto em companhia dos seus queridos livros. Vejam só o que o Alzheimer aprontou para ele. De vez em quando, padre Engler punha-se a vagar, inteiramente nu, pelos corredores do enorme prédio. Algum seminarista o encontrava, cobria-o como podia e o levava de volta para o quarto. Não é muita humilhação para quem dedicou uma vida inteira à formação dos novos padres em São Paulo e no Paraná?
Está certo que hoje existem recursos médicos mais avançados que na sua época. Nem tenho a pretensão de chegar aos pés da sumidade que ele foi. Se, porém, me acontecer de chegar a esse ponto, por favor, me segurem em casa. Não me deixem sair à rua.
Sobre o que mesmo eu estava falando? Ah, sim, lembrei. Ia contar sobre minha comadre, grande educadora ao lado do marido. Refiro-me a ela porque, embora lecionando metade do dia, passava com os filhos mais horas que o compadre. A educação deles ficava tempo maior em suas mãos. Mãos, mente, coração, olhos, ouvidos, voz, tudo. Ela tratava os filhos com muito amor. Sem, no entanto, perder as rédeas do controle. Sabia bem que, como ensina o educador e doutor Raymundo de Lima, amiga é amiga, mãe é mãe. Os canais não se misturam.
Dos três filhos o caçula era o mais espiritado. Certa manhã, em casa deles, eu fazia hora para o almoço, que a comadre estava preparando. Os outros chegariam logo. O pequeno escolheu esse dia para exibir invulgar impertinência. A comadre pôs em ação todas as medidas educativas que o amor materno e a experiência lhe ditavam. Esgotados, sem sucesso, todos os recursos, assim como todo o seu estoque de paciência, apelou para o único remédio à mão: sapecou-lhe duas sonoras palmadas no bumbum gordinho. É um remédio de dor dupla: no filho e dor maior na mãe. A criança abriu a boca num pranto desconsolado, enquanto erguia os bracinhos à espera de um colo confortador. Buscou sem êxito de um lado e de outro, até voltar para seu porto seguro. Abraçou as pernas da mãe e aninhou entre seus joelhos o rostinho encharcado de lágrimas. Uma cena comovente.
Aquele garotinho fortaleceu em mim a convicção que eu já possuía: educação não nasce de palmada nem de conselho nem de receita de livro. Nasce do amor. Se o filho se reconhece amado, duas ou três palmadas não vão traumatizá-lo. Ao contrário, ele as receberá como nova e torturada prova de amor. Não sabe explicar, mas sente que doem mais no coração dos pais do que no seu bumbum.
Ninguém está aqui defendendo maus tratos, humilhações ou agressões a um serzinho frágil e indefeso. Antes de tudo, e sempre, vem o amor. Mas somos humanos: renúncia e aceitação de limites não estão em nossa natureza. Acontecem situações extremas, às vezes. Para elas, práticas excepcionais. Mas ditadas sempre pelo amor.
Senhores congressistas, deixem os pais educarem os próprios filhos. Cuidem de coisas mais importantes sobre as quais os senhores têm que legislar.

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