Maringá e a necessidade de revisão do Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos

Por Fábio Alcure:

lixoA sociedade maringaense vem esperando há anos da administração pública municipal uma solução para a questão do lixo, especialmente em termos de coleta seletiva e reciclagem. Embora desde 2005 o município esteja condenado judicialmente – em processo relativo a ação civil pública ajuizada pela Promotoria do Meio Ambiente – a implantar a coleta seletiva em todo o território municipal e a dar condições adequadas de trabalho aos catadores de materiais recicláveis, os gestores municipais que se sucederam desde então permanecem descumprindo tais obrigações. 
O que se tem ouvido ao longo desses anos todos é que a administração está buscando soluções. As soluções apresentadas até o momento, contudo, não se sustentavam à luz da legislação vigente e das obrigações às quais o município já foi condenado judicialmente, padecendo de graves vícios e irregularidades. Não é por outro motivo que foram rejeitadas pela sociedade civil organizada e pelo Poder Legislativo municipal.
Assim, já se vão anos de espera e o quadro atual é, de forma bastante resumida, o seguinte: não há uma política municipal de educação ambiental voltada à correta separação e destinação dos resíduos; o município não possui um sistema de coleta seletiva que atenda minimamente a sua área territorial; o índice de reciclagem de resíduos no âmbito do município é ínfimo; as cooperativas de catadores continuam prestando serviços à Administração e à sociedade maringaense de forma gratuita, ainda sem condições adequadas de trabalho e sem a sua devida contratação pelo município.
Não há o que discutir quanto à necessidade da estruturação e implantação da coleta seletiva e da contratação e oferecimento de condições adequadas de trabalho às cooperativas de catadores de materiais recicláveis. Isso deve ser feito de forma imediata. Só que mesmo essas medidas devem ser adotadas de forma planejada, com reflexão, fixação de metas, articulação com outras medidas de gestão de resíduos e de saneamento, etc. Além disso, há outros aspectos relativos ao sistema de gestão de resíduos que devem ser debatidos, avaliados e definidos de forma integrada, como a coleta convencional, a coleta de resíduos especiais, o tratamento de resíduos orgânicos, dentre outros.
O município tem um plano de gerenciamento de resíduos sólidos urbanos que data de 2008 e está bastante defasado, sendo anterior à própria Política Nacional de Resíduos Sólidos. O plano em questão – é bom que se frise – não foi cumprido pela Administração municipal. Basta ver, nesse sentido, que, dentre as metas fixadas no plano, havia as de “aproveitamento” de 10% dos recicláveis e compostagem de 50% dos resíduos sólidos urbanos tratados, ambas a serem implementadas ainda no ano de 2008, o que dispensa maiores comentários.
A Prefeitura lançou em 2011 a ideia de um novo plano, que pode ser acessado – em “versão preliminar”, conforme consta do rodapé do texto. O documento em questão constituía um dos módulos (de “limpeza pública e manejo de resíduos sólidos”) do plano municipal de saneamento básico que a Prefeitura defendeu à época e divulgou como material de consulta para a audiência pública posteriormente realizada. Em relação ao módulo do plano de gestão de resíduos, não houve da parte da Administração outras medidas visando à sua oficialização. Em outros termos, o plano em questão não passou de uma “versão preliminar”, de um documento divulgado para consulta, e, mais uma vez, os gastos realizados pela Administração para estudos e propostas na área de resíduos foram em vão.
A legislação determina que o plano municipal deva ser revisado periodicamente, observado prioritariamente o período de vigência do plano plurianual municipal, conforme disposto no art. 19, XIX, da Lei nº 12.035/2010. A existência de um plano atualizado é condição para o município ter acesso a recursos da União ou a benefícios de entidades federais voltados à área da gestão de resíduos (art. 18 da Lei nº 12.035/2010). Ademais, é por meio do plano que o município vai ter de definir diversos aspectos cruciais do seu sistema de gestão de resíduos, como programas e ações de educação ambiental, metas de redução, reutilização, coleta seletiva e reciclagem, dentre outros, conforme elenca o art. 19 da Lei supracitada.
Torna-se evidente, desse modo, que a revisão do plano de gestão de resíduos de Maringá é uma imposição legal, visto que o plano vigente no município é de 2008 e, ainda que fosse de 2011, já se foram quatro anos, ou seja, justamente o prazo que a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos estabelece como limite para a revisão do plano. Além disso, vale destacar que estamos atualmente sob a égide do Plano Plurianual (municipal) 2014-2017.
A revisão é, porém, mais do que isso, uma necessidade premente, justamente porque as soluções apresentadas pela Prefeitura ao longo dos últimos anos foram (corretamente) rejeitadas e hoje o que se vê é a Administração Municipal tentando “apagar incêndios”; adota-se uma medida pontual aqui e outra ali, com foco no apelo midiático, sem tratar a questão da gestão de resíduos como um efetivo sistema e sem deixar claro à população o que pretende fazer – a curto, médio e longo prazo – para lidar com o problema.
A revisão e a atualização do plano municipal permitiria e, mais do que isso, exigiria da Administração debruçar-se com seriedade e profundidade sobre a questão, definindo e divulgando à sociedade qual é efetivamente o projeto global de gestão de resíduos a ser adotado no âmbito do município. Por óbvio que essa discussão deve ser feita com ampla participação popular, assegurando-se o direito de toda a sociedade de não só ser ouvida a respeito, mas também de poder influir efetivamente na decisão sobre as políticas públicas a serem adotadas na temática. Não custa lembrar que o Estatuto da Cidade elenca como uma das diretrizes gerais da política urbana a “gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano” (art. 2º, II, Lei nº 10.257/2001).
O plano, com toda a certeza, deve ter como ponto de partida as obrigações mencionadas de início – ampla coleta seletiva e contratação e garantia de condições adequadas de trabalho às cooperativas de catadores – , que foram impostas pelo Poder Judiciário. Em verdade, essas obrigações devem ser cumpridas de imediato pela Prefeitura, com todo o empenho e planejamento devidos. Em paralelo, deverá ser iniciado o processo de revisão do plano municipal de gestão integrada de resíduos, que é o instrumento adequado e legalmente previsto para a definição da política municipal de coleta, tratamento e destinação dos resíduos sólidos como um todo.
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(*) Fábio Alcure é procurador do Ministério Público do Trabalho e integrante da coordenação colegiada do Fórum Lixo e Cidadania da Região Noroeste do Paraná

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