“No Natal eu fui apresentado ao Cristo Jesus”

Ilustração

Do Velho Gagá:

Alguns anos atrás, eu perambulava pelas ruas de nossa capital, Curitiba, entre uma internação e outra, com uma caixa de jujubas nas mãos, para vendê-las e assim prover alguma melhora na qualidade de vida dos meus dias.
Jamais deixei de subir a ladeira da rua Ermelino de Leão nas sextas, para cumprir minha obrigação religiosa na Mesquita Imam Ali ibn Abi Talib (A.S.) e na Husseanie (local de reza e estudos xiitas da escola Duodecimal).
Sou um dos poucos ainda vivos, descendente do povo Druzo cuja escola Islâmica é xiita.
Sempre senti fortemente a presença de Deus, Clementíssimo, Misericordiador, para perseverar na minha luta e guardar os amigos que sempre que podem, me ajudam – cada um de sua maneira, mas alguns compartilhavam comigo um bem maior…”palavras sinceras e um abraço afetuoso (estes são os que sabem que meus tumores não são contagiosos)”
E vinha chegando o Natal, a tristeza batia forte de vontade de ficar perto dos meus filhos…faltava-me a coragem de aparecer diante deles aos farrapos, portanto eu tinha de começar a buscar mais intensamente a cura, ou aprender a rezar direito…
Nas minhas caminhadas para trabalhar, eu passava diante de um pequeno porém luxuoso restaurante com uma placa na porta dizendo assim: “Filé de linguado ao molho de camarões robustos, purê de maçã, risoto de camarões, casquinhas de siri, camarão a baiana, arroz branco e pirão, por apenas 19,90″…eu abaixava a cabeça e dizia…vou vender muito e vou comer esta oferta.
Enfim arrumei uma latinha e fui guardando as moedas…nas minhas contas seriam 19,90+2,50 de um refri + 3,oo da comissão do garçom = 25.40…poxa, um tremendo desafio pro beduíno aqui…mas eu achava que merecia…por que temer?
Eu guardava todos os dias algumas moedas, mas eu ajuntava e acabava um remédio…lá se iam as moedinhas, risos, e eu invocado com o tal peixe do “restaurante de sapatos pra engraxar (termo curitibano para dizer donde só vão os nobres)”
Já era antevéspera de Natal e nada de ter os 25 contos..e eu caminhava quase de frente ao restaurante, um fiscal da prefeitura de Ctba, meu amigo, me parou, falou que me via sempre namorando a “praca” do restaurante e eu contei a ele, ele me deu um abraço, me deu 30 contos e falou…corre ou faça tuas muletas correrem pois eles vão acabar com a oferta,risos…e eu fui..mas antes tentei disfarçar minha ausência de sapatos abaixando um tiquinho a barra da calça, camisa para dentro, alisei o paletó, presente de meu amigo seu doutor do Tribunal de Contas, e entrei…meio sem jeito….olhei o salão… eramaior que aparentava lá de fora, mas não havia freguesia…escolhi uma pequenina mesa e sentei..5 minutos, 10, 15 minutos e ninguém me enxergava…tomei coragem e chamei um garçom falando um bom dia e pedindo por favor…ao que um deles respondeu: “gënta ai meu véio, já já a gente te libera pra voltar pra rua XV pra esmolar”.
A vergonha naquela hora não me matou porque hora minha não era, nem nasci peru para morrer em véspera…mas sem mais nem menos, vieram dois garçons lá do fundo, cada um com uma sacola nas mãos e em cada sacola haviam três caixas de papelão e em cada caixa, uma marmitex lacrada…um dos garçons falou…meu querido velho, recebe um presente nosso, por sua simpatia e por sempre, enquanto aguardamos os ônibus para voltarmos para casa, recebermos uma palavra de fé, do sr….poxa, eu chorei ali de agradecimento, mas não imaginava eu o que aquelas caixas continham…saí dai agradecendo a todos e compartilhando um abraço com cada um, ofereci os 30 contos e eles recusaram.
Coloquei uma sacola em cada braço de minhas muletas e achei um banco para me sentar ali na praça Santos Andrade…sorrateiramente abri marmita por marmita, e tudo de bom em termos de comida ali tinha, tudo novinho e arrumado, cheirando posta de peixe feito moqueca e cada camarão que não cabe nem a foto aqui.
Haviam, bem perto do meu banco, algumas pessoas roendo biscoitos de vento e eu fiquei sabendo que era uma família em situação de risco…então, joguei meu paletó,presente de seo dotô, na grama, voltei ao restaurante e pedi uns talheres de plástico, e arrumamos uma mesa naquela grama, oramos e comemos com tanta alegria que parecíamos velhos amigos…no meio de nossa ceia de natal, apareceu um dos garçons com mais três marmitas cheias de comida boa, coisa que só sabem fazer, nossas avós ou as tias gordas que cada um sempre teve ou tem, e ali,com pessoas que jamais havia visto, eu conheci desde o Advento ao Sacrifício Expiatório de um “menino chamado Cristo, Jesus”.
E o dinheiro – os trinta contos que ganhei, serviram para que eu pudesse prover um socorro para aqueles que ali estavam.
Naquele dia, Jesus Cristo me mostrou dignidade na minha insignificância, naquele dia fez-se Natal e a estrela-guia, nossa amada estella maris me guiou para a manjedoura, para que eu compartilhasse ouro, incenso e mirra em forma de comida boa, com tão pobres quanto eu. Pobre sim, mas não desamparados fomos todos nós, e assim somos, ou podemos ser se perseverarmos na FÉ!
Feliz Natal para todos vocês!

Gabriel Esperidião Neto, Velho Gagá

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