Que pena que a água começou a voltar

De Walter Praxedes:

Nesses dias em que inesperadamente faltou água em Maringá, muitas situações também inesperadas ocorreram.
Mal a água começou a voltar e já começamos a sentir uma certa nostalgia.
Os avós que viviam solitários em uma casa grande com uma caixa d’água inesgotável, de repente viram a casa inundada de filhos e netos querendo tomar banho e lavar roupas, aproveitando para fazer uma boquinha para não sujar as panelas e pratos quando voltassem aos seus apartamentos.
Os antigos fiéis de uma Igreja se lembraram de que há muito tempo atrás se organizaram e abriram um poço artesiano para irrigar uma horta comunitária já desativada, e para lá foram com seus galões em busca de salvação para sua sede.
As conversas sobre as improvisações realizadas e a importância do consumo consciente da água substituíram o tema da previsão do tempo nas conversas sem assunto.
Foi interessante ver que quando chegava a vez de encher o garrafão em um fila interminável sob um sol insuportável, alguns senhores e senhoras deixavam que outros mais apressados tomassem os seus lugares, repetindo essa gentileza inúmeras vezes, enquanto trocavam suas opiniões sobre a catástrofe da falta de água na cidade, criticando a incompetência dos agentes públicos irresponsáveis.
Noticiada nacionalmente na televisão, a crise local de abastecimento de água foi a primeira oportunidade do repórter iniciante se apresentar para todo o país.
Um blog jornalístico que sofria com a falta de assunto novo conseguiu atrair uma maré de internautas que queriam saber notícias atualizadas sobre as previsões de restabelecimento do fornecimento de água.
Foi também uma oportunidade para as empresas, sindicatos, associações de todos os tipos demonstrarem sua importância para a população, fornecendo algo que de fato ela necessitava.
Os clubes sociais da cidade se viram tomados por associados que com a desculpa de buscar o precioso líquido e tomar banho, faziam churrasco e ficavam o dia todo conversando e bebendo não apenas água, enquanto as crianças brincavam sem pressa de voltar para casa.
Um homem solitário que morava em um prédio todo dele pegou uma mangueira e ficou na frente do edifício distribuindo água e conversa com quem quisesse. Um consumidor implacável, mas com sentimento de culpa, depois de comprar todo o estoque de água mineral de um pequeno supermercado, ficou na frente do estabelecimento revendendo o produto para quem quisesse pelo mesmo preço que o havia adquirido.
A cidade que parecia tão perfeita revelou, assim, que a sua maior necessidade não era água, mas de união entre as pessoas para resolver o problema da água e de todos os outros que esperam a sua vez de se tornarem desesperadores para a população. Que pena que a água começou a voltar!

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