Carta para minha mãe, Dona Hipólita

simon-bolivar

Bogotá, Grã-Colômbia, 28 de setembro de 1828

Para minha Mãe-e-Pai de criação e do dulcíssimo afeto, Dona Hipólita, negra e escrava liberta, que habita no que o bastardo Dom Fernando, Imperador Regente do Reino de Espanha, deixou restar da casa de meus familiares, na prisioneira Caracas, ainda Província de Venezuela, Capitania da Coroa.
Amada Mãe, não sei dizer se é mais difícil ser presidente de um país recém-livre, ou sentir a falta tua, dos teus aconselhamentos, do cafezinho que sempre coava quentinho dos frutos colhidos sobre pano alvo, apenas para mim!

Mãe Hipólita, cuide por favor, do jazigo que sepultou meus sonhos, onde dorme Maria Thereza, meu primeiro e eterno amor, tirada pela febre amarela dos meus braços enquanto esperava minha filha ao ventre, e não esqueça de colocar sobre o seu sepulcro uma goiaba madura, para que ela saiba que, mesmo a rasgar lençóis com Manuella nos dias de hoje, nada me afasta do amor maior que por ela nutro em minhas veias, tentando aquecer um coração triste!
Minha mãe, de teus conselhos não me afastei e me assombra ver o gigantesco Brasil se arrastando por sarjetas de podridão espúria e espumas traiçoeiras da corrupção plantada e cultivada por seus próprios libertadores.
Mãe, para fundar a Grã-Colômbia eu lutei com um exército de abnegados e heroicos filhos da liberdade, e deles em cada dez, quatro eram crianças e um era Mulher, e cruzamos o inferno do inverno nos Andes para uma batalha que nos fez íntegros como Nação Livre hoje, com paus, pedras e algumas baionetas e vejo o vizinho rico e abastado deixar que seus filhos sejam pilhados até na merenda escolar… Aos políticos brasileiros acometidos de incontrolável fome pelo dinheiro do povo, me cabe a tristeza de vê-los naufragando em mares do Almirantado Celestial.
Pudera eu, Mãe minha, voltar-me ao Brasil e colocá-lo nos trilhos de onde marcham grandes feito ele, mas nem a minha Caracas ainda consegui libertar, mesmo com a insistência voraz de meu querido e hoje marechal, Antonio José de Sucre, que eu ainda vou fazê-lo libertar o Equador.
Mãe de colo quentinho, minha doce Hipólita, reze muito para que Deus tenha tolerância e nos ensine mais sobre ela. Meu povo é negro, mulato, crioulo e índio e temos que nos manter vivos no ideal da Libertação Unida da América, sem esquecer da triste sina brasileira que mais parece um gigante ferido cambaleando por estradas esculpidas pela mentira, ambição e vaidade da maior parte dos que, primeiro reinaram lá, do País d´Algarves e hoje já se mudam para gastarem dos roubos e saques sem atentar contra as banhas de seus gordos traseiros.
Receba, Mãe minha, o meu fraterno abraço e rogo flores à terna eternidade de meu amor por Maria Thereza, e à minha filha, que por não nascida viva, nem nome me deixaram lapidar.

Assina por esta, eu, teu filho, Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar y Palacios Ponte-Andrade y Blanco, assim por ti batizado, e pelo povo chamado Simón Bolívar, El Libertador!

(Texto de Gabriel Esperidião Netto, ‘Velho Gagá’, baseada em fragmentos da vida do estadista Simón Bolívar)

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