Ex-ministro Padilha: Sim, rever o tamanho do SUS. Para maior, mais acesso e mais qualidade

Por Alexandre Padilha:

Ministro Alexandre Padilha.Fruto da luta democrática e da capacidade de construir consensos institucionais a partir de necessidades simbólicas do nosso povo, o Brasil assumiu um compromisso inédito para um país de mais de 200 milhões com a criação do SUS: estabelece que a Saúde é um Direito de Todos e um dever do Estado.
Ao longo da sua história, esse Direito vem sofrendo ataques sistemáticos. De um lado por interesses privados e corporativos, no seio de um mercado de produtos, tecnologias e serviços gerado pelo esforço de acesso universal a 200 milhões de pessoas. Do outro, por aqueles que não admitem um Estado que garanta direitos e, sim, defendem um Estado que apenas garanta as condições para os interesses de mercado, incluindo aí apenas as politicas compensatórias necessárias para garantir a sobrevivência dos seus consumidores e um ambiente político de estabilidade.
Esta disputa constante ao longo dos seus mais de 25 anos foi repleta de avanços e recuos, mantendo inconclusos seus desafios estruturantes como: um financiamento sustentável compatível com o esforço realizado por outros países com sistemas universais, responsabilidade sanitária dos 3 entes federativos e consolidar um modelo de atenção humanizado em que a medicalização e a hospitalização não sejam a tônica.
No período mais recente, dois baques para a consolidação do SUS foram a retirada da CPMF, imposto que incidia sobre a parcela mais rica do pais e combatia a sonegação, e as tentativas bem sucedidas subsequentes de reduzir os recursos vinculados.
Apesar disso, avançamos no enfrentamento:
1) de interesses de algumas corporações no debate e implementação do Mais Médicos e todas as medidas de fortalecimento da Atenção Básica;
2) de interesses exclusivos do mercado, com a Lei que estabelece regras para incorporacão de medicamentos e tecnologias (criando a Comissão nacional de Incorporação tecnológica no Sus) e no início da implementação do ressarcimento ao SUS pelos planos de Saúde;
3) de interesses pautados pelo obscurantismo com a ampliação de uma rede de atenção Psicosocial não manicomial, com o nome social no cartão SUS, com a lei que obriga os serviços de saúde a garantirem a atenção integral as mulheres vítimas de violência (profilaxia contra gravidez indesejável, contra DSTs e registro de provas para denúncia à justiça no próprio serviço de saúde )
4) de superação do modelo hospital e médico centrado com a expansao da urgência pré-hospitalar, da atenção domiciliar e dos consultórios na rua, por exemplo.
É alarmante, neste cenário, que a direção apontada pela autoridade máxima do SUS é em reduzí-lo e não enfrentar os desafios para a busca constante do seu fortalecimento. Em um momento em que o país precisa discutir e se mobilizar para reduzir a carga tributária sobre seus trabalhadores e ampliar a participação tributária dos setores mais ricos, dos proprietários de helicópteros, iates e aviões, das grandes heranças, das movimentações financeiras, dos bônus e dividendos não tributados para manter e ampliar o SUS. Um sistema de saúde que, cada vez mais, se depara com o subfinanciamento e os novos custos decorrentes do envelhecimento e da nossa realidade urbana, falar em redução do SUS é um sinal absolutamente contrário aos nosso desafios.
Apesar dos avanços, nossos números não permitem qualquer afirmação no sentido de reduzir o tamanho do SUS . O acesso à saúde ainda é muito desigual. Mesmo com o passo decisivo do Mais Médicos, que garantiu médicos compondo equipes na atenção primária para mais de 60 milhões de habitantes, ainda estamos longe de parâmetros de cobertura similares aos Sistemas universais europeus que nos inspiraram na Europa.
Em 2003, simplesmente inexistiam serviços na rede pública que ofereciam diagnóstico e tratamento integral de alta complexidade em cardiologia, neurologia e oncologia fora das capitais de mais da metade dos estados da federação do país e na quase totalidade dos estados do Norte e Nordeste, por exemplo. E onde existiam, havia uma profunda concentração relacionada ao mercado privado de saúde.
Iniciamos o caminho para superar esta desigualdadede de acesso com os governo Lula e Dilma. Foram políticas de expansão das redes de urgência e emergência, a criação e implantação do SAMU, planos nacionais de expansão de cuidados especializados da Saúde integral da mulher, de rede oncológica, unidades do trauma e cardiologia, expansão dos programas de formação de especialistas, mas o país ainda é muito desigual. Por exemplo, o Brasil é dividido em 436 regiões de saúde . Dessas, 103 possuem serviços de atendimento integral a mulheres com câncer de mama, apenas 15 Unidades federativas têm serviços especializados para todos os procedimentos cirúrgicos de tratamento para coluna e 21 estados têm serviços especializados para todos os tratamentos de cardiologia. Mais acesso ao SUS é um dos desafios cruciais para reduzir a desigualdade social e regional no Brasil.
Não basta crescer, é necessário crescer junto com os que mais precisam, mais vulneráveis. O envelhecimento populacional; características de populações vulneráveis: como aqueles que vivem em situações rua, aqueles que ocupam os espaços rurais, aqueles cuja atividade profissionais ou modos de viver nas cidades tornam seus horários incompatíveis com o uso regular das unidades, contrastes culturais como a população indígena e imigrantes exigem não apenas um SUS maior, mas mais próximo dos modos diversos de vida dos 200 milhões de brasileiros. O SUS precisa crescer em tamanho e em diversidade .
Um compromisso de um SUS maior e com mais acesso não significa compactuar com o que existe de desperdício, de desvio e de gastos excessivos travestidos de acesso universal. Mas é preciso ficar bem claro que os gastos excessivos não tem qualquer relação com as diretrizes do SUS, pelo contrário, são frutos ou de interesses privados não republicanos ou da persistência de um modelo que supervaloriza a subespecialidade ou a incorporação tecnológica critica. O combate ao desperdício ou custos excessivos exigem Mais SUS e não Menos SUS.
Na cidade de São Paulo, o esforço do Prefeito Fernando Haddad em reconstruir a Atenção Básica mostrou uma parte deste caminho. Em 2012, de cada 100 consultas na atenção básica, 24 demandavam encaminhamento para especialistas. Em 2015, além de ofertar 1 milhão a mais de consultas na atenção básica,de cada 100 apenas 12 demandaram encaminhamento para especialistas. No Brasil, o enfrentamento feito pelo Minisitério da Saúde em relação a máfia de órteses e próteses revelou que não é entregando ao privado que se reduzirá o desperdício.
Assim como na cobertura da imprensa internacional sobre o golpe, muitas vezes, a luz da vivência de outros países nos fazem valorizar os avanços que conseguimos com muita luta. Na última semana, dois fatos que vivenciei na batalha em buscar mais qualidade para a saúde da cidade de São Paulo evidenciam o quanto não podemos permitir qualquer passo atrás, naquilo que já foi conquistado na busca de um sistema universal. Um deles, durante o lançamento da nossa política de Saúde para população imigrante, as expressões de defesa do SUS de quem já viveu as exclusões de direitos em outros países. O outro, durante a visita de 14 cidades chilenas à nossa rede, cientes das nossas dificuldades, mas espantados de como garantimos um conjunto de atendimentos e procedimentos aparentemente básicos gratuitamente no SUS — algo que só ocorre com pagamento no Chile.
A agenda inicial daqueles que assumiram o governo federal sem voto é exatamente aquela que foi sucessivamente derrotada nas urnas em 2002, 2006, 2010 e 2014. Isto só torna cada vez mais cristalino que a chamada “ponte para o futuro” mais parece um episódio da série daquele blockbuster “De volta para o futuro”, em que a tal máquina do tempo levava seus personagens ao passado, ao invés do futuro. Para enfrentá-la não há nenhuma máquina produzida pela ficção, mas a realidade concreta consolidada ao longo da história: a luta nas ruas, nas redes e nos espaços institucionais, resistência e muita articulação política para ampliarmos a aliança com a sociedade na defesa dos seus direitos seriamente ameaçados. É uma oportunidade única para todos aqueles que se referenciam na esquerda, que defendem o mínimo de desigualdade e o máximo de diversidade que influenciará nas nossas escolhas do presente e nos caminhos do futuro.
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(*) Alexandre Padilha é ex-ministro da Saúde. Publicado originalmente na Carta Maior.

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