Deputados pedem investigação sobre viagens de ministros

De maio a outubro deste ano, os ministros de Michel Temer usaram 781 vezes aviões da Força Aérea Brasileira; o ministro da Saúde, Ricardo Barros, do PP (na foto com Paulo Roberto Costa), voou pela FAB 57 vezes.
Em outubro passado, a Comissão de Ética da Presidência da República abriu investigação sobre sua participação na campanha eleitoral deste ano na região de Maringá.
Na Câmara Federal, um grupo de parlamentares pediu ao Ministério Público a investigação do fato, denunciado esta semana pelo Estadão.
São alvo da representação os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil), Alexandre de Moraes (Justiça), Raul Jungmann (Defesa), José Serra (Relações Exteriores), Henrique Meirelles (Fazenda), Maurício Quintella (Transportes), Blairo Maggi (Agricultura), Mendonça Filho (Educação), Marcelo Calero (Cultura) e Osmar Terra (Desenvolvimento).
Ricardo Barros (Saúde), Marcos Pereira (Indústria), Fernando Coelho Filho (Minas e Energia), Dyogo Oliveira (Planejamento), Gilberto Kassab (Ciência e Tecnologia), Sarney Filho (Meio Ambiente), Leonardo Picciani (Esporte), Marx Beltrão (Turismo), Helder Baralho (Integração), Bruno Araújo (Cidades) e Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) também são alvo da ação.
Para os parlamentares da oposição, esses 21 ministros violaram a Lei de Improbidade Administrativa.
A conduta dos ministros configura, a princípio, desrespeito a duas normas legais. Primeiro, em abril de 2015, às vésperas de ser afastada do cargo e em meio ao esforço do governo de ajustar as contas, a então presidente Dilma Rousseff assinou o Decreto 8.432, que restringiu o uso de aeronaves pelos ministros e os proibiu de viajar de FAB para seus domicílios. Em segundo, uma lei de 2013 determina que ministros deverão divulgar diariamente na página eletrônica do ministério sua agenda de compromissos oficiais.

Informado sobre o levantamento realizado, o presidente da Comissão de Ética da Presidência da República, Mauro Menezes, disse que não poderia emitir juízo, mas que os números podem significar um “descumprimento oblíquo da norma”. “Se de fato a autoridade estiver utilizando como prática agendas para passar o fim de semana em casa, isso pode, sim, ser avaliado como um desvio, já que está vetado o uso do avião da FAB para esses deslocamentos”, afirmou. “Se houver uma denúncia, nós investigamos e podemos punir.”

Segurança
Procurados pela reportagem, os ministros negaram a prática de qualquer irregularidade e muitos argumentaram que solicitam a aeronave oficial por questões de segurança, o que é permitido também com base no decreto que disciplina o uso dos aviões oficiais.

Conforme o levantamento, os ministros que mais utilizaram aviões da FAB para irem a sua cidade de residência sem divulgarem agendas com justificativa para os voos são os que moram em São Paulo, como Alexandre de Moraes, da Justiça; José Serra, das Relações Exteriores, e Gilberto Kassab, da Ciência e Tecnologia.

A FAB não divulga o valor dos gastos com voos oficiais sob a justificativa de que “o custo da hora de voo das aeronaves militares é informação estratégica e, por isso, protegida”. Um voo entre Brasília e São Paulo, com uma aeronave de modelo parecido com as utilizadas pela FAB, custa cerca de R$ 76 mil, conforme cotação numa empresa de táxi aéreo. O trajeto entre Brasília e Porto Alegre sairia por R$ 136 mil. E da capital para Salvador, R$ 143 mil.

Ranking
O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, é o campeão de viagens e o recordista de translados entre Brasília e sua cidade de origem, São Paulo.O ministro viajou 85 vezes de avião da FAB nesses cinco meses de governo Michel Temer, sendo que 64 delas tinham como destino ou origem a capital paulista. Em 46 ocasiões, não há justificativa na sua agenda para as viagens nem compromissos oficiais que expliquem por que em dias de semana o ministro opta por sair de São Paulo para um evento em outro Estado, e não de Brasília. Ao menos 14 vezes Moraes fez o trajeto Brasília-São Paulo numa segunda-feira.

O segundo colocado do ranking de viagens para a cidade de seu domicílio é o ministro das Relações Exteriores, José Serra. É raro o ministro divulgar sua agenda oficial na internet. O chanceler voou com a FAB 52 vezes, sendo que em 85% dos casos está a rota entre a capital e São Paulo. Nessas 44 viagens, apenas uma, a do dia 25 de outubro, tem uma justificativa: o ministro participou de um Fórum de Comércio Exterior, organizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI)

.O ministro de Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab, que também é de São Paulo, é o terceiro a fazer mais vezes o trajeto entre a capital paulista e Brasília, ou vice-versa. Dos 65 trechos que o ministro fez nos cinco meses, 44 deles, ou seja, em 68% das vezes, o destino ou a origem dos aviões foi São Paulo. Em quase metade desses voos – 21 – não há explicação na agenda para os deslocamentos.

Já o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, usou aviões da FAB 48 vezes, sendo que 33 delas foi para ir ou voltar de São Paulo. Em pelo menos 19 casos não havia agenda divulgada na internet que justifique a viagem. Dessas 19, em quatro ocasiões a assessoria argumentou que foram agendas internas e uma dessas foi para o Rio, num sábado. Um comportamento identificado no caso de Meirelles é ele ir no fim de semana para a capital paulista, mas ter agenda só na segunda. Após informado do teor da reportagem, a assessoria do ministro apresentou justificativas com agendas oficiais de todas as viagens.

O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, também figura na ponta do ranking. Das 42 viagens feitas em cinco meses, 23 têm como destino ou origem Porto Alegre, sendo que em 16 não há explicações em sua agenda. Ao menos dez vezes Padilha viajou às segundas e outras cinco usou aeronaves da FAB na sexta-feira.

Geddel Vieira Lima, da Secretaria de Governo, também usou aviões FAB para retornar à sua cidade: Salvador. Das 24 viagens em cinco meses, quase 80% delas tiveram como destino a capital baiana. Em todos os casos, nada consta na agenda.

Pastas negam
Os ministros do presidente Michel Temer negam que estejam usando indevidamente aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para viajarem para suas cidades de origem sem um motivo com amparo legal. Alguns argumentam que precisaram solicitar a aeronave por questões de segurança, o que é autorizado.

O campeão de voos sem justificativa para sua cidade de residência, Alexandre de Moraes (Justiça), disse que todas as suas viagens “obedeceram ao disposto nos decretos n.º 8.432, de 9 de abril de 2015, e n.º 4.244, de 22 de maio de 2002, sendo duas realizadas por segurança e as demais a serviço, todas atendendo a compromissos oficiais”.

Moraes argumentou, ainda, que o alto número de voos realizados em cinco meses é explicado pelas atribuições da pasta.

O ministro das Relações Exteriores, José Serra, disse que suas viagens “aconteceram por motivos de segurança, por razões de serviço ou para atendimento médico, nos termos da legislação em vigor”. Serra, entretanto, não justificou a ausência de compromissos publicados na agenda.O ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, argumentou que seus deslocamentos aéreos “seguem rigorosamente os critérios fixados pela FAB e pelo governo federal”.

A assessoria do ministro também justificou às idas constantes a São Paulo porque o Estado concentra a maior parte dos recursos destinados pela pasta. “A quantidade de institutos e o volume de recursos em investimento em São Paulo, por si só, exigem atenção e a presença mais efetiva do ministro.”

A assessoria do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, após procurada pela reportagem, enviou os compromissos que ele teve em São Paulo e que não constavam na agenda. Entre algumas agendas informadas para justificar os voos estão entrevistas a jornais e participação em seminários e reuniões.

Ministros ligados ao Palácio do Planalto, Eliseu Padilha (Casa Civil) e Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) também disseram que não cometeram irregularidades e que o uso dos aviões encontra amparo legal. Interlocutores de Geddel afirmaram, ainda, que o ministro só passou a usar as aeronaves da FAB por segurança, após ser chamado de “golpista” durante um voo comercial em agosto.

O ministro da Saúde, Ricardo Barros, também afirmou na sua resposta que segue as normas vigentes. Ele destacou que no total fez 98 voos para cumprimento de agendas oficiais e que, além de usar a FAB 57 vezes, utilizou aviação comercial em 41% dos trechos

.Já o ministro das Cidades, Bruno Araújo, disse que seus deslocamentos “fazem parte de agendas previamente definidas, destinadas a compromissos oficiais da pasta, todas devidamente comunicadas e amplamente divulgadas, com registro na imprensa local”.

O ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Pereira, também enviou à reportagem uma lista de compromissos para justificar as suas agendas. O Ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Filho, respondeu que todas as viagens “foram feitas visando atender agenda ministerial e atividades fins do cargo” e que elas seguiram as regras da FAB.

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