O espermatozoide que virou gente

Espermatozoide

Por João Batista Leonardo:

Na benevolência das oportunidades, as pessoas fazem da vivência, singela conotação de acontecimentos, como se a vida fosse pouca e gratuita. O nada, por incompreensível toque mágico, faz brotar a vida e a biosfera soma mais uma.

A vida animal é privilégio se comparada às conotações da natureza e tem como marco inicial a formação do espermatozoide, a sementinha masculina.
Viajar junto do espermatozoide que virou gente é embrenhar-se no grande mistério de nossa existência.
Ele nasceu lá em baixo no testículo. Seu tamanho é quase nada, tem uma cabecinha, um rabinho e se movimenta. Daí começa uma longa caminhada pelos canais chegando à sua nova morada: a vesícula seminal que está localizada junto à próstata, abaixo da bexiga. Ali encontrou seus irmãos e irmãs, porque os espermatozoides são sexuados, perfazendo uma comunidade maior de trezentos milhões. Uma população bem maior que a brasileira. Todos estão ansiosos pelo grande momento da ejaculação, o empurrão que os lançará para fora em busca da eternidade. Eternidade, porque, a partir do momento que vira gente, Deus, por pura grandiosidade, lhe insere a alma eterna.
A ereção do pênis é um sinal de alerta, quando tudo pode acontecer, desde um falso alarme numa ereção fortuita, numa masturbação, num coito com preservativo e numa vagina estéril. Com muitíssima sorte poderá encontrar o que todos almejam: uma vagina fértil e convidativa a prosseguir viagem. Na vagina fértil começa outra grande corrida pelo útero, buscando a trompa e nela ter a magnitude de encontrar o óvulo. O óvulo, a sementinha feminina, nascido no ovário e expelido para trompa e que é portadora das características da mãe. É imóvel e não tem sexo.
O objetivo de todos os espermatozoides é embrenhar-se no óvulo, formando uma célula geneticamente completa. É a fecundação, a formação do ovo, é a célula mãe.
Dos espermatozoides apenas um penetra e fecunda. Os outros trezentos milhões de irmãos e irmãs, que também pretendiam virar gente e que perderam a disputa, morrem. Caso todos nascessem do mesmo óvulo seriam todos irmãos gêmeos, semelhantes em tudo.
Agora, a célula mãe, portadora das características do casal, é levada ao útero onde se aninha.
O ovo fixado no útero dá início à evolução para gente, que acontecerá em cada segundo, à custa de fenômenos que superam o entendimento da ciência. O embrião absorve da mãe, pela placenta somente, os nutrientes e forma por si só todo seu corpo. A carne e o sangue da mãe não se misturam com a carne e sangue do neném.
O evoluir da gestação demora cerca de quarenta semanas para completar-se. Agora o bebê, formado será levado para fora durante o parto e, daí em diante, enfrentar o mundo exterior.
Não há como negar o choque sentido pelo bebê, ao sair do conforto uterino, onde estava sem fome ou sede, sem frio ou calor, sem riscos, e, agora, entrar neste mundo barulhento, poluído e moldado pela falha mente humana.
A criança nasce carente de tudo, dependente, peladinha, quando inicia a moldagem para conviver em comunidade e, se tiver sorte, numa boa família, onde por certo será bem esculpida.
Fico furioso quando alguém me diz: A vida é uma “merda”. Respondo: “Merda” é sua insignificância ante à grandeza é, sua fraqueza frente aos desafios é, sua indiferença frente às opções é, sua covardia frente às dádivas da natureza.
O espermatozoide virar gente é um milagre e é só fazer as contas. São trezentos milhões pretendentes ao nascimento nas mesmas condições e somente um consegue. Então não será preciso ser gênio para perceber a importância da vida. Também não será preciso tanta sabedoria para perceber que, na corrida do espermatozoide que virou gente, está o incompreensível e, por certo, um desígnio muito superior aos tempos humanos. Creio que nada acontece por acaso e para tudo existe um objetivo.
Todos nós que nascemos participamos e vencemos a disputa junto aos outros trezentos milhões. Será que hoje, junto de trezentos milhões de pessoas, conseguiríamos o mesmo feito? Ou será que naquela oportunidade “alguém” deu uma mãozinha?
Então somos um milagre. Por sermos milagre, faz bem conjecturar: Será que estamos aqui à toa? Temos aqui uma missão? Achamos o milagre da vida uma “merda”? Como estamos?
Ainda, será que somos os representantes dos outros trezentos milhões que não deixamos nascer? Então, com nossa vivência, em frente deles, seríamos por eles aplaudidos ou vaiados?
Pensa, analisa e veja. Isso, realmente, é incrível.
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(*) João Batista Leonardo é médico e escritor em Maringá. Originalmente publicado no Jornal do Povo

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