Aberração jurídica no TJ-PR

Editorial da Gazeta do Povo:

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR) tomou uma decisão absurda na última segunda-feira: para manter Fábio Camargo na cadeira de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), o TJ reverteu um entendimento adotado em maio de 2016 e que prejudicava o ex-deputado estadual.

A eleição para o TCE ocorreu em 2013 e foi contestada desde sua realização, dadas as circunstâncias que a envolveram. O truque usado pelo Órgão Especial foi o de considerar irregular o processo no qual o TJ tinha anulado a eleição de Camargo, mas para isso foi preciso recorrer a uma aberração jurídica.
Na sessão de segunda-feira, a corte analisava embargos de declaração referentes ao julgamento de maio do ano passado. Tais embargos servem para que os magistrados, a pedido de alguma das partes, esclareçam omissões, contradições ou pontos obscuros da decisão já tomada. Um desses embargos se referia à legitimidade do administrador de empresas Max Schrappe – um dos candidatos derrotados por Camargo na eleição para o TCE – para propor um mandado de segurança.
A lei que rege os mandados de segurança, a 12.016/2009, estabelece, em seu artigo 1.º, que “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade”. Os advogados de Camargo alegavam que não havia ameaça a “direito líquido e certo” no caso de Schrappe, pois ele não recebeu nenhum voto.
O raciocínio deixa implícito que só teria direito a mandado de segurança quem tivesse chance real de vencer a disputa. Ora, isso não faz sentido, pois uma arbitrariedade que beneficia um candidato prejudica todos os demais, sem distinção. Impossível saber quantos votos cada um deles teria se Camargo ficasse fora da eleição, e só isso já basta para reconhecer que tanto Schrappe quanto qualquer outro candidato tinha o direito de impetrar mandado de segurança, ainda mais considerando o parágrafo 3.º do artigo 1.º da Lei 12.016: “Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança”.
No entanto, nem foi esse o maior erro dos magistrados do Órgão Especial. Ocorre que a legitimidade de Schrappe como autor da ação tinha, sim, sido analisada por ocasião do julgamento original, e os desembargadores concluíram em favor de Schrappe. Não se tratava de ponto obscuro, omissão ou contradição, ou seja, não cabia embargo de declaração por parte da defesa de Camargo. A bizarrice jurídica da segunda-feira consistiu justamente em aceitar esse embargo, apesar da advertência da relatora, desembargadora Regina Portes, para quem o pedido devia ser negado porque essa questão já tinha sido analisada pelo TJ e não restava dúvida a esse respeito. Mas a posição de Regina foi vencida por 13 a 9. Com isso, retirou-se de Schrappe o direito de propor a ação, tornando inválido tudo o que tinha sido feito anteriormente. Assim, Camargo pode manter a cadeira no TCE sem precisar da liminar do STF em que se segurava desde o julgamento do ano passado.
Na prática, o que o Órgão Especial fez foi usar um embargo de declaração para reverter uma decisão judicial tomada anteriormente pelo mesmo colegiado. Um absurdo sem precedentes, o que também foi percebido e denunciado por outros desembargadores, como Lauro Laertes de Oliveira. Assim, o TJ-PR legitima uma eleição cercada de irregularidades desde seu início – lembremos que Camargo não apresentou toda a documentação exigida para disputar o posto. Além disso, o Regimento Interno da Assembleia Legislativa exige que o vencedor tenha número de votos equivalente a 50% mais um dos deputados presentes (e não dos votantes). Todos os 54 deputados estavam presentes e por isso, mesmo com a abstenção de Camargo e Plauto Miró (outro deputado-candidato), seriam necessários 28 votos para um candidato ser eleito; Camargo obteve o apoio de 27 deputados, o que forçaria um segundo turno, mas, apesar dos questionamentos apresentados em plenário, o então presidente da Alep, Valdir Rossoni, encerrou subitamente a sessão e declarou Camargo vencedor.
Todos esses pontos foram questionados por Schrappe em seu mandado de segurança, e o julgamento de maio de 2016 considerou, acertadamente, que a eleição tinha sido irregular. Algo tão evidente que a única maneira encontrada por alguns desembargadores para consagrar o erro foi desqualificar o acusador e atropelar tanto as regras sobre mandado de segurança quanto sobre embargos de declaração. Uma autêntica vergonha. (Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo)

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