Uma parte minha que se foi

Por João Batista Leonardo:

Nas infindáveis perguntas sem respostas, mais uma insinuante ao impossível e ao abstrato, incide curiosidade: Onde está você? Testemunho dos momentos no enfrentamento cotidiano da continuidade e, no desgaste pelos idos tempos.

Estivemos sempre juntos na mitigação das dores; nos alívios dos sofrimentos; na força ao debilitado; na palavra ao desesperado; na participação intrigante no surgimento e no fim de vidas; do primeiro sorriso até o último choro. Fomos ombros amigos.
Seria possível me responder ao menos; onde está você? Sei que foi com as águas, evaporou e diluiu nos ares em continuação com nuvens, foi para o firmamento, levando um pouco de mim; por isso nas horas de dificuldades, na alegria e na tristeza me valho de você, e sei que existe, porque na natureza nada acaba, tudo é transformado.
Sempre estivemos juntos e compúnhamos um todo, um, objeto do outro, um, consequência do outro. Nas lutas até injustas no picadeiro vivenciado, jamais nos destruíram, amigos bons não faltaram, amigos falsos jorraram. Porém, em cada queda, prontamente nos levantamos, pois entendemos que a humilhação não está na queda, mas sim, no sucumbir.
Começamos bem lá embaixo, galgamos difíceis e valorosos degraus então, os tempos nos sorriram, nós os vivenciamos, neles abraçamos as boas oportunidades e percebemos êxitos. Construímos muito, destruímos pouco, provocamos muitos sorrisos e poucos choros, trouxemos muitas vidas ao mundo e nenhuma tiramos. Semeamos a luz e a esperança por onde passamos, mesmo em meio aos percalços e incompreensões, pairamos na certeza da boa intenção.
Nas noites que passamos despertos aliviando sofrimentos ou mostrando a luz às tantas milhares de novas vidas, sem olhar a quem, fortificaram nossa fé no Criador e testemunharam nosso idealismo firmando a grandeza da medicina.
Nas alegrias também estivemos juntos; vivemos o esporte, nos banhamos nas grandes cachoeiras e passeamos por praias e praças engalanadas. Juntos, vimos grandes espetáculos mundiais, andamos e respiramos nos quatro cantos da terra, onde conhecemos costumes de vida, outras doutrinas e gentes diferentes, porem, sempre valorizando a cultura e o aprendizado.
Na aspereza dos tempos plantamos na terra nua, e dela fizemos um caminho firme onde com segurança pisamos e o mostramos aos menos corajosos. Nas horas de dúvida, fomos ao campo buscar a flor do conhecimento, na sua fragrância encontramos respostas. Na alegria e na força da solidariedade comungamos a valorização familiar e profissional. Em nossa seara embrenhamos luz, frutos e esperanças, que por certo iluminaram e fortificaram a continuidade de tantos. Na qualidade de humanos, cometemos erros e enganos, porém sempre desprovidos da maldade intencional.
Semeamos boas sementes em vários terrenos, geminaram, cresceram, arboresceram e prosperaram em nossa fertilidade e, em benéficos frutos se transformaram.
Onde estiver saiba que tudo foi muito natural propositalmente, e a soma dos fatos compõe o nosso fardo dos tempos vividos, cujo conteúdo, sobretudo redunda, na boa ou má expectativa do inexorável fim; então na tristeza do choro ou na gratificação do sorriso, veremos o merecimento.
Sei que a lógica nem sempre é exultante do exato, mas pensar em você, me volta os tempos, faço sondagens, revivo atitudes componentes do meu fardo e testemunho de mim mesmo. Vale a sondagem, me alegra e nesta conjectura do abstrato por que não esperançar?
Onde está você meu “suor derramado?”
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(*) João Batista Leonardo é médico e escritor em Maringá. Ilustração de Antonio Boh

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