Obviedade e erros marcam obra ‘filosófica’ do ‘menino do Acre’

Por Reinaldo José Lopes:

“Pude eu, para graça de meus irmãos, com estas felicitações, desenvolver a teoria da absorção do conhecimento, que se responsabilizaria em desvendar, embora de maneira tênue, os aspectos contundentes entre a genialidade de muitas figuras”, escreve o “menino do Acre” Bruno Borges em um dos muitos parágrafos inesquecíveis de seu “TAC – Teoria de Absorção do Conhecimento”.

É, o livro está inteirinho escrito desse jeito, de cabo a rabo. Basta ler meia página para se dar conta de que Borges, 25, fala idioma que se parece vagamente com o português.
Portanto, convém traduzir. O significado, grosso modo, é o seguinte: “Fui abençoado com a capacidade de desvendar como funcionava a mente dos maiores gênios da história”. Será mesmo?
Num dos capítulos, o aspirante a filósofo acreano explica suas descobertas tintim por tintim. Para alcançar a sabedoria suprema, o sujeito tem de renunciar ao sexo e ao consumo de carne (ingira só frutas e outras comidas cruas de origem vegetal, prega ele), dormir o menos possível (o negócio é adotar um tal sono polifásico, cochilando uma horinha aqui, outra acolá), isolar-se do comum dos mortais e se tornar ambidestro.
(O leitor sabia que ninguém menos que Jesus Cristo era ambidestro? Não que haja informações nos Evangelhos sobre o Nazareno curando um cego com a mão esquerda enquanto parte o pão com a direita, mas deixa para lá –Borges parece ser um sujeito que sabe do que fala.)
Giordano Bruno (1548-1600), o frade renegado, mago renascentista e precursor de ideias sobre vida ET condenado pela Inquisição, acabou sendo vendido como a grande inspiração das ideias de Borges, mas não se preocupe: nas poucas páginas do livro cabe toda a história do pensamento humano.
O estudante de psicologia de Rio Branco defende que todas as grandes mentes do planeta adotavam o mesmo método que ele está revelando aos leitores. Sócrates: praticante da TAC. Galileu Galilei: praticante da TAC. Freud: ora, praticante da TAC.
Mas em que consiste a TAC, afinal? Borges usa profusão de gráficos, equações e setas (o rapaz gosta mesmo de setas) para tentar explicar o seguinte: adquira muitas informações (estude “febrilmente” ou “impetuosamente”, como prefere), incorpore essa massa de informações às suas próprias ideias e, com isso, crie algo novo. Eis o segredo. Incrível como ninguém pensou nisso antes, não?
Além de seu emprego peculiar da língua-pátria –por algum motivo, o autor acha que “protuberante” quer dizer “elevado”– e do estilo que mistura traduções antigas da coleção “Os Pensadores” com romance espírita, Borges tem uma capacidade quase sobrenatural de se embananar com suas fontes.
Segundo ele, o autor de “Como a Mente Funciona” é Steven Spielberg (o certo é Steven Pinker, pessoal), enquanto “A Origem das Espécies” teria sido escrito não por Charles Darwin, mas por Charles Dazzling (deve ser um trocadilho com “dazzling”, ou “ofuscante”, em inglês).
Borges previu, claro, que alguns incréus não iriam ouvi-lo. “Sendo assim, ensinarei as técnicas que aprendi e desenvolvi, mas aviso de antemão que nem todos efetuarão, pois conheço a natureza ociosa do ser humano.” É muita sabedoria nesse coraçãozinho.

TAC – TEORIA DA ABSORÇÃO DO CONHECIMENTO (ruim)
AUTOR Bruno Borges
EDITORA Arte e Vida
QUANTO R$ 24,90 (160 págs.)
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(*) Publicado na Folha de S. Paulo.

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