O teatro do absurdo da Operação Marumbi

Por Laércio Souto Maior:

A data do acontecimento que passo a narrar é outubro de 1975. O cenário é Curitiba, a então pacata capital do Estado do Paraná.

De origem nordestina e estudioso da história e dos problemas sociais daquela sofrida região, quando ocorreu a minha prisão pela Operação Marumbi, desencadeada pelo comando do 3º Exército, eu escrevia um ensaio sobre o fenômeno do cangaço que durante décadas inquietou com suas ações violentas o povo e as autoridades dos nove estados do nordeste brasileiro. No mencionado estudo, eu procurava dar um sentido de revoltosos rurais ao que os historiadores oficiais estigmatizaram como bandoleiros e foras da lei. No meu trabalho, simplesmente acompanhei o raciocínio do mestre Eric Hobsbawm que na sua obra magistral “Bandidos” considerava os bandidos sociais rebeldes em potencial. Seu famoso livro inspirou e deu origem a um novo campo de estudo da história: o banditismo social.
Surpreso, constatei que depois de passar praticamente incólume pelas masmorras do Destacamento de Operações de Informações — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), pois era evidente, como posteriormente ficou comprovado, que os oficiais que me interrogaram sabiam que eu nunca tinha pertencido ao PCB (posteriormente fiquei sabendo que eles tinham sido informados pelos próprios militantes daquela organização, debaixo de espancamentos em sessões de tortura, que eu não pertencia aos seus quadros).
Na Delegacia de Ordem Política e Social (Dops), a conversa foi diferente. Fui violentamente interrogado durante dias seguidos, às vezes até por três delegados ao mesmo tempo, que queriam que eu declarasse que o ensaio que escrevi sobre os cangaceiros nordestinos tinha como finalidade ensinar e fazer apologia à guerra de guerrilhas no Brasil. Vejam só o absurdo! Os delegados do Dops me acusavam de ser membro do Partidão, sem eu ser, e que defendia a guerra de guerrilha num partido que advogava a transição pacífica do capitalismo para o socialismo (e se chegasse ao poder pela via eleitoral seria mais um partido da ordem, como acontecia na época com o PC italiano liderado pelo Enrico Berlinguer).
Passei também por maus bocados, na tentativa que eu entregasse filiados ao PCB ou militantes de esquerda professores e funcionários da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Com calma e sangue frio, finalmente consegui que os meus ferozes interrogadores reconhecessem a evidência de que, se não pertencia ao Partidão, como poderia conhecer seus membros que atuavam em rigorosa clandestinidade? Quanto aos elementos de esquerda do corpo docente e discente que atuavam na UEM, respondi aos meus algozes que não conhecia ninguém, na época, que merecesse o título de comunista revolucionário, e mais, quem poderia informá-los com mais propriedade seria a divisão de informação daquela instituição de ensino superior e os inúmeros sargentos e oficiais do Exército e da Polícia Militar que estudavam no período que ocorreu a minha prisão.
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(*) Escritor, historiador e jornalista pernambucano, radicado em Curitiba-PR. Originalmente publicado no Medium

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