Em processo, ex acusa Bolsonaro de furtar cofre e omitir patrimônio

A capa da revista Veja deste final de semana traz detalhes da separação de Ana Cristina Siqueira Valle e do deputado federal Jair Bolsonaro, em 2007.
No processo de 500 páginas, ela acusou o presidenciável de furtar um cofre de banco, ocultar patrimônio, receber pagamentos não declarados e agir com “desmedida agressividade”.

O texto é de Hugo Marques, Nonato Viegas e Thiago Bronzatto:

Em 2007, o deputado Jair Bolsonaro, então com 52 anos, estava terminando seu segundo casamento, com Ana Cristina Siqueira Valle. Depois de mais de dez anos juntos e um filho, o casal resolveu se separar, mas o caso acabou na Justiça. Eles disputavam a guarda do filho, hoje com 20 anos, e Ana Cristina alegava que seu ex-marido resistia a fazer uma partilha justa dos bens. Por isso, em abril de 2008, ela deu entrada com uma ação na 1ª Vara de Família do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O processo, com mais de 500 páginas, ao qual VEJA teve acesso, contém uma série de incriminações mútuas que fazem parte do universo privado do ex-casal. Há, no entanto, acusações de Ana Cristina ao ex-marido que entram na esfera do interesse público porque contradizem a imagem que Bolsonaro construiu sobre si mesmo na campanha presidencial. São elas:

• Bolsonaro ocultou patrimônio pessoal da Justiça Eleitoral em 2006. Quando foi candidato a deputado federal, declarou que tinha um terreno, uma sala comercial, três carros e duas aplicações financeiras, que somavam, na época, 433 934 reais. Sua ex-mulher, no mesmo processo, anexou uma relação de bens e a declaração do imposto de renda do ex-marido, mostrando que seu patrimônio incluía também três casas, um apartamento, uma sala comercial e cinco lotes. Os bens do casal, em valores de hoje, somariam cerca de 7,8 milhões de reais.

• Bolsonaro tinha uma “próspera condição financeira” quando era casado com Ana Cristina, segundo ela própria. A renda mensal do deputado chegava a 100 000 reais — cerca de 183 000 reais, em valores atualizados. Na época, oficialmente, Bolsonaro recebia 26 700 reais como deputado e 8 600 reais como militar da reserva. Para chegar aos 100 000 reais, diz a ex-mulher, Bolsonaro recebia “outros proventos”, que ela não identifica.

• Bolsonaro, de acordo com Ana Cristina, furtou seu cofre numa agência do Banco do Brasil, em outubro de 2007, e levou todo o conteúdo: joias avaliadas em 600 000 reais, 30 000 dólares em espécie e mais 200 000 reais em dinheiro vivo — totalizando, em valores de hoje, cerca de 1,6 milhão de reais. O cofre ficava na agência do Banco do Brasil da Rua Senador Dantas, no centro do Rio. Seu conteúdo é incompatível com as rendas conhecidas do então casal.

• Bolsonaro era um marido de “comportamento explosivo” e de “desmedida agressividade”. Essa foi a razão que levou Ana Cristina a separar-se, segundo ela mesma informa.

Bolsonaro e Ana Cristina se separaram oficialmente em 2008, depois de dez anos juntos. Com o passar do tempo, os dois voltaram a se entender e selaram um armistício que dura até hoje, tanto que Ana Cristina, candidata a deputada federal pelo Podemos do Rio de Janeiro, até usa o sobrenome do presidenciável e se apresenta aos eleitores como “Cristina Bolsonaro” — sobrenome que jamais teve.
Agora, ela diz que as acusações que fez contra o ex-marido são fruto de excessos retóricos. Não é incomum que, em separações litigiosas, marido e mulher troquem acusações infundadas, destinadas a magoar ou tentar extrair alguma vantagem. Mas uma consulta ao processo e suas adjacências mostra que Ana Cristina não estava mentindo. O furto do cofre, por exemplo, realmente ocorreu. Em 26 de outubro de 2007, ela esteve na agência do Banco do Brasil e, misteriosamente, sua chave não abriu o cofre. Chamado ao local, um chaveiro destravou o equipamento, e Ana Cristina constatou que estava vazio. “Isso só pode ter sido coisa do meu ex-marido”, disse ela aos funcionários do banco. Um deles tentou acalmá-la, sem sucesso. “Ele pode tudo, e vocês têm medo dele”, respondeu ela. No mesmo dia, Ana Cristina registrou um boletim de ocorrência sobre o furto na 5ª Delegacia da Polícia Civil.
VEJA teve acesso ao inquérito policial. Em depoimento, Alberto Carraz, um dos gerentes do Banco do Brasil, confirmou que tanto Ana Cristina quanto Bolsonaro mantinham cofres na agência. No caso do deputado, não se sabe o que ele guardava — e ele também nunca declarou a propriedade do cofre. Já a ex-mu­lher disse que guardava joias avaliadas em 600 000 reais, mais 30 000 dólares em espécie e 200 000 reais em dinheiro vivo. Localizado por VEJA, Alberto Carraz conta que, de fato, o conteúdo do cofre sumiu e dá uma pista do que pode ter sido o desfecho da história: “Quando Bolsonaro soube que a ex-mu­lher tinha feito um registro de ocorrência na delegacia, ele me disse que iria resolver a questão. Depois, eu soube por ele que estava tudo resolvido e que ela tinha retirado a queixa”. Na verdade, não foi bem assim.Leia mais.
Foto Reginaldo Teixeira/Veja)

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