Orivaldo, o amigo querido

(Texto de A. A. de Assis, na apresentação do livro “Celeiro desprovido”, seleção de crônicas do Padre Orivaldo Robles)

Dizem que quando a gente gosta de uma pessoa acaba gostando de tudo o que essa pessoa faz ou diz. Isso tem muito de verdadeiro. Mas no caso de Orivaldo Robles não sei de quem e do que eu gosto mais.

Gosto muito do amigo querido, com quem convivo há mais de meio século; gosto muito do padre exemplar e sábio, de quem tenho recebido tantas lições de vida; gosto muito do exímio cronista, que leio com a mente e o coração; gosto muito dos ótimos textos que ele escreve e do modo ao mesmo tempo forte, elegante, correto e descontraído como os elabora.

Conheço-o desde quando ele era seminarista, mocinho ainda. De vez em quando ia à redação da Folha do Norte levar algum artigo de Dom Jaime e eu aproveitava para roubar dele alguns instantes de gostoso bate-papo. Era quase impossível mantê-lo sentado e quieto durante mais de dois minutos, porém eu lhe servia um cafezinho, puxava conversa e o segurava lá por um bom tempo. Cada visita dele era uma aula.

Assisti à ordenação do padre Orivaldo e do padre Almeida, ambos na mesma cerimônia. Eram como se irmãos fossem, sempre juntos, risonhos, inteligência viva e rápida. Nesses anos todos venho acompanhando os passos dos dois e dando graças a Deus por me haver premiado com amigos tão bons.

Mas quem é, afinal de contas, Orivaldo Robles?

Ele gosta de se apresentar como “um assustado jacuzinho da roça” que com 12 anos incompletos entrou para o seminário menor em São José do Rio Preto, 5 anos depois mudou com a família para Alto Paraná e continuou os estudos em Curitiba, de onde saiu após mais 9 anos para ser ordenado sacerdote em Maringá por Dom Jaime Luiz Coelho.

Um homem lindamente transparente. Quando tem vontade de rir, ele ri de dobrar; quando tem vontade de chorar, chora sem a menor cerimônia; quando é preciso brigar, briga sem medo de nada; se percebe que cometeu um erro ou alguma ocasional indelicadeza, de pronto pede perdão, com humildade e honestidade, e na maioria das vezes em público. Um homem que sente, pensa e diz sem rodeios o que pensa e sente.

Sobre este seu primoroso Celeiro desprovido, como a brincar com o título da obra, ele resume: “É minha forma de homenagear pessoas admiráveis, conhecidas e anônimas, com quem cruzei nas estradas da vida. Não é mais que a reunião de escritos de um modesto padre do interior”.

Aliás, é recorrente em seus escritos a valorização dos semeadores anônimos do Evangelho. “Se hoje a TV atinge milhões de fiéis, é porque antes houve quem os fez abraçarem a fé. Muito pregador desconhecido está na origem do fervor com que multidões se acotovelam em frente dos púlpitos virtuais”.

Comovente também a maneira como se refere aos santos e santas da vida moderna, homens e mulheres sem pose, sem marketing, sem preocupação com holofotes, mas que de verdade dão a vida pelos carentes de tudo. Vem-lhe à mente Madre Teresa de Calcutá: “Que misteriosa força leva uma jovem a abandonar vida confortável para se dedicar a pobres, doentes e marginalizados? A trocar cristais e joias por cuidado de leprosos?”

Se entende que é preciso mudar alguma coisa, faz isso sem nenhum bloqueio: “Aprendemos que é hora de rever conceitos. De examinarmo-nos por dentro. Sem medo de abandonar posições que julgávamos definidas”.

Se julga importante e oportuno denunciar com força alguma situação, vai direto ao ponto: “Aos ouvidos moucos de uma sociedade satisfeita consigo mesma, refestelada no conforto de salas acarpetadas, com olhos voltados para Miami, Nova York, Paris ou Milão, jamais chega o grito de uma infância desprovida de amanhã”.

Chamando atenção para a dramática realidade da cena contemporânea, põe na chaga o dedo: “Garotos e meninas são estimulados a satisfazer seus desejos, pouco importando o que venha a acontecer depois”.

Sem meias palavras, atiça a atenção do leitor para a crescente mistura de fé com exibicionismo e superstição: “Tomem-se as frases das camisetas de jogadores de futebol. É marcar um gol e lá vai ele para as câmeras de TV fazer propaganda da sua ‘fé’. Será convicção religiosa ou modismo de conveniência?”

Assustado ante os descaminhos de uma sociedade geralmente descrita como pós-moderna, lamenta: “Flutua no ar uma sensação difusa de honradez perdida. Já não se reconhecem limites morais. Antes, ainda se mantinha algum vestígio de decência. Agora, se ridiculariza quem se importa com essa frioleira. Há um disseminado embotamento do sentido ético”.

E desabafa: “Ultimamente, vem crescendo minha facilidade de chorar. Tenho passado incólume, até aqui (…). Mas na travessia do mar da vida já dobrei o cabo da Boa Esperança. A milhagem que me resta é inferior àquela que já percorri. Estaria eu experimentando, por isso, a síndrome da autopiedade?”

O menino que conheci ainda seminarista, cheio de esperança e entusiasmo, continua, porém, ativo e aceso, às vezes meio zangado, às vezes quase lírico, sempre generoso, simplão, um amigo e tanto, um padre extremamente autêntico, um escritor de nascença, cujos textos a gente lê, relê e lê de novo, sem vontade de parar.

Este livro é um presente lindo do padre Orivaldo para todos nós. De minha parte, e decerto da parte de quantos tiverem a felicidade de visitar as páginas seguintes, muitíssimo obrigado.

A. A. de Assis

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