Enquanto Flávio afunda, Jair se escora em Moro

De Josias de Souza:

A conjuntura das últimas horas está crivada de ironia. No Brasil, o caso que envolve o senador Flávio Bolsonaro migra rapidamente do estágio de escândalo para a fase do escárnio. Em Davos, na Suíça, Jair Bolsonaro, alheio ao derretimento da imagem do seu primogênito, queixa-se de ter herdado “o Brasil em uma profunda crise ética, moral e econômica.”

Espremido entre as desculpas esfarrapadas do filho e o cinismo do pai, Sergio Moro empresta sua respeitabilidade e sua boa imagem para serem utilizadas por espertos.
Integrante da comitiva que acompanha Jair Bolsonaro no Fórum Econômico Mundial, Moro participou nesta terça-feira (22) de um painel sobre combate à corrupção. Ao final, foi inquirido por um repórter a respeito da movimentação bancária suspeita de Fabrício Queiroz, o ex-faz-tudo de Flávio Bolsonaro. Refugiou-se atrás de evasivas: “Não me cabe comentar sobre isso, mas as instituições estão funcionando.”
Horas depois, ao pronunciar seu mini-discurso de seis minutos no palco principal de Davos, Bolsonaro referiu-se ao seu ministro da Justiça como “o homem certo para o combate à corrupção e o combate à lavagem de dinheiro”. Fundador do fórum suíço, Klaus Schwab, perguntou ao presidente brasileiro quais são os seus planos para combater a corrupção que roeu a logomarca “Brasil”. E Bolsonaro: “Sergio Moro é conhecido de vocês. A ele foi incumbida essa missão. (…) Ele tem todos os meios para seguir o dinheiro.”
Em dezembro, dias antes de apossar-se de uma poltrona na Esplanada dos Ministérios, Sergio Moro declarou o seguinte: “Eu não assumiria um papel de ministro da Justiça com o risco de comprometer a minha biografia, o meu histórico.” Ele foi ao ponto: “Defendo que, em caso de corrupção, se analisem as provas e se faça um juízo de consistência, porque também existem acusações infundadas, pessoas têm direito de defesa. Mas é possível analisar desde logo a robustez das provas e emitir um juízo de valor. Não é preciso esperar as cortes de Justiça proferirem o julgamento.”
No caso que envolve Flávio Bolsonaro, coube ao Coaf, órgão transferido para a alçada de Moro, “seguir o dinheiro”. Farejaram-se movimentações suspeitas nas contas do preposto Fabrício Queiroz e, mais recentemente, do próprio filho mais velho do presidente. Enquanto fugiam do Ministério Público do Rio de Janeiro, ambos forneceram, em entrevistas esparsas, explicações com uma consistência de gelatina. A fragilidade dos argumentos reforçou a convicção dos investigadores quanto à robustez dos indícios colecionados pelo Coaf.
De repente, no exato instante em que Bolsonaro faz pose para a plateia de Davos e Moro se esquiva de expor aos jornalistas algo que se pareça com um juízo de valor, o escândalo virou escárnio. Descobriram-se vínculos de Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz com PMs acusados de integrar uma milícia. Os milicianos foram homenageados pelo filho do presidente na Assembleia Legislativa do Rio. Pior: por indicação de Queiroz, a mãe e a mulher de um deles trabalharam no gabinete do primogênito da dinastia Bolsonaro.
Está entendido que, por delegação de 57 milhões se brasileiros, o governo é de Jair Bolsonaro, que carrega a tiracolo o seu clã. Mas quem coloca a cara na vitrine por eles é Sergio Moro. Abra-se aqui um parêntese para lançar um desafio. Responda rápido se puder: o que é mais deletério, os interesses que se escondem atrás da boa estampa do ex-juiz, ajudando a manter o disfarce dos novos donos do poder, ou a ilusão do ministro de que, mesmo em ambiente pouco asséptico, será possível cercar a corrupção e minar o crime organizado? Fecha parêntese.
Enquanto você procura uma resposta, novas interrogações vão piscando no pano de fundo da conjuntura apodrecida. Eis a pergunta mais intrigante: a que temperatura ferve a biografia de Sergio Moro?

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