Três casos e uma LAI fazendo água

De Paula Bianchi, editora do The Intercept Brasil:

Foi-se o carnaval e o golden shower presidencial, e quem tem emagrecido e sambado numa toada cada vez mais triste é a LAI, a Lei de Acesso à Informação.

Xodó de jornalistas e pesquisadores, a medida, aprovada em 2011, permite que você, o seu vizinho e qualquer cidadão brasileiro solicitem dados e façam questionamentos diretamente ao governo sobre o que acontece com a máquina pública que ajudamos a bancar. E o melhor: sem ter que apresentar nenhuma justificativa para isso. Dá para pedir documentos sobre reuniões em ministérios, cópias de passagens áreas de parlamentares e até mesmo o seu número de CPF caso você tenha esquecido. Em tese, é como levantar a mão e fazer uma pergunta ao governo, que precisa responder. As exceções protegidas por sigilo deveriam ser mínimas.
Ia tudo bem, ainda que com um problema aqui e outro ali até que pá. A Nova Era. Não é de hoje que a lei tem demorado mais a ser atendida – o governo Temer não era lá um entusiasta do acesso à informação –, mas da eleição para cá a coisa parece ter acelerado. Mourão até tentou enfraquecê-la na canetada e a verdade é que o decreto que ampliava o número de pessoas capazes de decretar sigilo de até 25 anos sobre dados públicos só não passou porque o Congresso quis dar uma lição na presidência. Maia vetou.
Trago três casos ocorridos aqui no TIB nos últimos três meses que nos mostram para onde caminhamos. Como toda lei, além de sua existência, a garantia de que o texto será de fato cumprido envolve também uma boa dose de vontade política. Quando quem manda na casa não considera algo importante, transparência passa a ser só mimimi.
Nossa repórter Nayara Felizardo, por exemplo, ousou fazer um pedido pela área específica da LAI do site da prefeitura de Teresina em 14 de dezembro. Esperou dois meses – o prazo oficial é de 20 dias com direito a dez de prorrogação – para ouvir que “a sua solicitação só poderia ser atendida com fundamentação plausível para tal solicitação”. Ou seja: queriam uma justificativa para acessar os documentos, algo que a lei não demanda. A fundamentação, no caso, é a própria lei, que no artigo 10 “proíbe o órgão de exigir justificativa para o pedido de informação”.
No dia 18 de fevereiro, nosso editor em Brasília, o Rafael Moro (olha o crowdfunding aumentando a redação!), questionou o Itamaraty sobre a lista de convidados e presentes à recepção que aconteceu após a posse de Bolsonaro, realizada, naturalmente, no dia 1º de janeiro. Ouviu três dias depois que informação era sigilosa assim como era sigilosa também a justificativa para tanto segredo. Ele ainda foi orientado a checar o 2° parágrafo do artigo 24 da lei. Antes que vocês deem um Google, esse parágrafo fala que “as informações que puderem colocar em risco a segurança do Presidente e Vice-Presidente da República e respectivos cônjuges e filhos(as) serão classificadas como reservadas e ficarão sob sigilo até o término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de reeleição.”
No que uma lista de convidados de um evento público e coberto pela imprensa colocaria em risco a segurança nacional, você pode estar se perguntando. Nós também. O Rafa recorreu questionando então qual autoridade decretou o sigilo da informação e a razão disso. Mais do mesmo. “Reitera-se que as razões particulares que justificam a classificação da informação são, elas mesmas, classificadas.”
No caso da nossa editora contribuinte Cecília Oliveira, o Exército inventou ainda um terceiro conceito: a resposta de Schrödinger. Questionados no começo de fevereiro sobre detalhes específicos a respeito de um lote de munição comprado pelo governo federal, responderam que “não foram encontradas informações relativas aos lotes” e que também que “não possuem acesso à tramitação dos processos atrelados a eles que estão sob a responsabilidade do Poder Judiciário”. Como sabem então que está em segredo de justiça um lote que “não foram encontradas informações”? Rimos aqui quando Cecília retrucou pedindo acesso então a tudo o que não fosse sigiloso e recebeu em resposta que a sua solicitação representava uma “inovação recursal”.
A LAI mudou a lógica sobre como funciona o acesso à informação no Brasil, tirando dos funcionários do governo a prerrogativa de dizer o que valia ou não ir a público – e pensem aí o quão interessado esse governo está em controlar essas informações. Sem ela, não teríamos textos como esse, da Amanda Audi, mostrando que a Nathália Queiroz, suposta ex-assessora de Bolsonaro e filha do Queiroz que inspirou tantas fantasias de laranja carnaval afora, nunca pisou na Câmara dos Deputados ou mesmo a descoberta publicada no Estadão nesta semana de que o presidente e sua entourage abusaram dos gastos com cartões corporativos.
E não que ela sirva apenas para jornalistas! Muitas pesquisas acadêmicas só aconteceram por conta da LAI. Estão cortando o seu, o meu, o nosso acesso. E se ainda não é caso de luto fechado, é hora de espernear para evitar o velório. Esse foi um governo, vale lembrar, que se elegeu pregando o fim da corrupção, mudança… encaixe aqui o seu discurso verde-e-amarelo favorito. Pois #ficaadica. Transparência é um bom começo.
E vocês aí, tiveram algum pedido de Lei de Acesso negado sem lá muito cabimento? Mi caixa de e-mails, su caixa.
Nunca fez um pedido de LAI? Entra aqui, faz o cadastro (é bem fácil) e manda ver! Pergunte qualquer coisa a qualquer órgão do governo federal e depois nos mande a resposta (ou a falta dela). Quem sabe nasce daí uma bela reportagem do TIB!

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