Reação do governo Bolsonaro
mostra importância da Vaza Jato

Do The Intercept Brasil:

Quando foram publicadas, nesta semana, notícias de que a Polícia Federal prendeu quatro suspeitos de hackear o Telegram de várias autoridades brasileiras e de enviar parte desse material ao Intercept, muitos de nossos leitores se perguntaram: qual o efeito que isso terá no jornalismo que estamos produzindo a partir desse arquivo?
A resposta, em uma palavra, é: nenhum. Não terá efeito nenhum.
O interesse público na divulgação desse material era óbvio desde o princípio: esses documentos revelam más condutas sérias e sistemáticas – e, o que nos parece claro, flagrantes ilegalidades – por parte do então juiz, agora ministro da Justiça, Sergio Moro, bem como do coordenador da operação Lava Jato Deltan Dallagnol e de outros procuradores da força-tarefa. As impropriedades cometidas por Moro e pelos demais e expostas pelas reportagens do Intercept são tão sérias que levaram alguns dos maiores aliados de Moro a abandoná-lo e exigir sua renúncia uma semana depois da publicação das primeiras matérias.
À medida em que novas revelações foram sendo publicadas – pelo Intercept e por nossos parceiros jornalísticos – eles recorreram à mesma tática empregada por autoridades no mundo todo quando vêem sua corrupção sendo revelada pela imprensa: distrair a atenção de seus atos, demonstrados pelas reportagens, preferindo fixar seu discursos contra os jornalistas e suas fontes.
É isso que Sergio Moro, se valendo se sua posição de ministro da Justiça e Segurança Pública, vem há semanas tentando fazer. Ele e seus defensores, em sua maioria do partido de Bolsonaro, falam constantemente dos supostos crimes cometidos pela fonte e insinuam que os repórteres e editores do Intercept e dos demais veículos trabalhando em cima desse arquivo são “criminosos” ou “cúmplices” devido ao papel que desempenhamos em expor a verdade. O blog que vem funcionando como porta voz oficial de Moro se refere a nós como “cúmplices”, enquanto Moro nos chama de “aliados de criminosos”.
Ontem, o presidente Bolsonaro se envolveu diretamente no assunto (depois de fugir dele por semanas), com a acusação indecorosa de que Glenn Greenwald se casou no Brasil e adotou crianças para evitar uma deportação (seu casamento ocorreu há catorze anos); e ameaçando Greenwald com prisão: “Ele pode pegar uma cana aqui no Brasil”.
Apesar de seus esforços, Moro, Bolsonaro e seus defensores se mostraram incapazes de obter uma única prova ou indício de que o Intercept tenha feito qualquer coisa além de exercer seu direito de praticar jornalismo, tal qual é garantido e protegido pela Constituição brasileira e gozado por todos os jornalistas do país. Pelo contrário: todas as insinuações e sugestões feitas por eles de que o Intercept teria agido de forma imprópria foram desmentidas pelos fatos.
Depois de ter sido submetido a horas de interrogatório e supostamente confessar ser o hacker, Delgatti Neto disse em seu depoimento, conforme vazado:

• Que nunca falou com qualquer repórter do Intercept antes de ter realizado os hackeamentos;
• Que nunca pediu ou recebeu qualquer pagamento do Intercept (ou de qualquer outra parte) por fornecer os documentos;
• Que só se comunicou com o Intercept de forma anônima;
• Que nunca alterou os chats enviados ao Intercept, e que considera tecnicamente impossível realizar alterações desse tipo devido à forma como foram baixados do Telegram; e
• Que se inspirou no whistleblower da NSA Edward Snowden, obtendo e vazando esses documentos com o objetivo de expor corrupção praticada por autoridades que a população tem o direito de saber

Tendo em vista que nós temos não somente o direito, mas o dever – conforme a Constituição e os códigos de ética que regem nossa profissão – de proteger nossas fontes, nós não comentamos e não comentaremos sobre os indivíduos acusados pela Polícia Federal de terem hackeado contas no Telegram e de ter fornecido o material aos nossos jornalistas. Como já dito previamente, mesmo se quiséssemos, não poderíamos comentar sobre o assunto, visto que nunca soubemos o nome verdadeiro da fonte que nos enviou o arquivo contendo evidências de corrupção por parte de autoridades. O Intercept não fala sobre suas fontes anônimas, seja no caso Vaza Jato, seja em qualquer outro caso.
O que podemos confirmar, entretanto, é o que dissemos enfaticamente desde o início: o trabalho que estamos realizando é jornalismo de interesse público. Receber informações autênticas que revelam impropriedades sérias por parte das autoridades mais poderosas do país e produzir, de forma minuciosa e responsável, reportagens revelando essas impropriedades é o papel de qualquer jornalista sério em qualquer parte do mundo. Mesmo a versão da Polícia Federal sobre o depoimento do suspeito se alinha com o que estamos dizendo desde o início sobre nosso papel nessas reportagens.
Quando publicamos nossa primeira série de reportagens no dia 9 de junho, incluímos um editorial explicando os princípios jornalísticos que guiam nossas reportagens produzidas à partir do arquivo, e qual foi nosso papel em recebê-lo. Conforme escrevemos:
Mas, até agora, os procuradores da Lava Jato e Moro têm realizado parte de seu trabalho em segredo, impedindo o público de avaliar a validade das acusações contra eles. É isso que torna este acervo tão valioso do ponto de vista jornalístico: pela primeira vez, o público vai tomar conhecimento do que esses juízes e procuradores estavam dizendo e fazendo enquanto pensavam que ninguém estava ouvindo. Leia mais.

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