O isqueiro do pai

Por Airton Donizete:

Meu pai era o José Alves de Oliveira. Alves, nunca diria. Sempre ouvi chamá-lo de “Zé Arvi”. Pronúncia comum naquela São José do Rio Pardo, interior paulista, onde ele nascera. A convivência com os pais elegem coisas que nos fazem lembrá-los. Eu não sou afeito a comemorar datas, Dias dos Pais, das Mães, entre outros.

Prefiro a lembrança espontânea. Uma das coisas que lembram meu pai é aqueles antigos bingas ou isqueiros amarelos, de cobre. Meu pai sempre tinha um, que sacava do bolso para acender o cigarro de palha, que carregava cortadas na algibeira da calça.
Analfabeto, ele sempre trabalhou na roça, mas era um sujeito sábio, capaz de prever uma chuva dias antes de ela cair. Olhava para o céu e decretava: a capina tal não vai ficar pronta porque dia tal vai chover. Não dava outra, caía um toró.
Era uma intuição que nem ele sabia explicar. Dizia e acontecia. Hoje vejo que o fato de a gente ficar em contato com a natureza nos dá essa sabedoria. A gente começa a ficar íntimo do tempo. Assim era o “Zé Arvi”.
Mas voltando ao binga ou isqueiro que portava no bolso. Quando meu pai o tirava para acender o cigarro já enrolado era um momento de descanso. Uma pequena pausa nos afazeres. Quem trabalhava na roça, naquela época, não tinha descanso prolongado. Aos domingos, ia-se à missa, talvez o momento mais esticado de lazer. Para muitos católicos, um compromisso.
Na volta, havia o almoço de domingo, e o resto da tarde era dedicado às criações (gado, equinos, suínos e aves). Em tempo de colheita, o terreiro de concreto ficava cheio de café, arroz, feijão, milho que careciam ser amontoados, espalhados, conforme a secagem.
Enfim, a vida do meu pai era roça, casa, roça, casa. Trabalhou muito. Não ficou rico, não deixou herança, mas legou essa sabedoria. Um refletir sobre o que viria seguido de uma opinião quase sempre certeira. Um líder nato, que conduzia a família e me deixou esse legado da reflexão.
Nem sempre acerto, como ele, mas busco sempre refletir. Não apelo ao isqueiro porque não sou fumante, mas à pausa necessária para matutar e agir. Nem que seja um breve ínterim, que já me tirou de muito enrosco. Graças ao exemplo do “Zé Arvi”. Boas lembranças do pai.
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(*) Jornalista em Maringá

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