Os 90 anos da epopeia
norte-paranaense

Por José Antonio Pedriali

“Chegamos”.
“Chegamos onde?”
“Nas terras da companhia”.
Esse diálogo prosaico, entre o agrimensor Alexandre Razgulaeff e o funcionário da Companhia de Terras Norte do Paraná George Craig Smith, aconteceu no final da tarde de 21 de agosto de 1929.

Smith, de 20 anos de idade, chefiava o grupo encarregado de abrir a primeira clareira numa área de 546.078 alqueires, ou 13.166 quilômetros quadrados, comprados do governo estadual pela empresa de capital inglês. Saíram de Ourinhos na madrugada do dia anterior, pernoitaram em Jatahy, atual Jataizinho, venceram o traiçoeiro rio Tibagi em canoas que puxavam os burros a nado, recorreram a um índio para cruzar os 22 quilômetros de mata para, finalmente, acampar no local indicado por Larionoff. Aguardava-os uma noite convulsionada por mosquitos e insetos.
Tinha início uma das maiores epopeias da civilização, que foi a colonização do Norte do Paraná, regida por um projeto cuidadoso de distribuição de lotes, aproveitamento da água, abertura de estradas e disseminação de núcleos urbanos próximos uns dos outros e com infraestrutura que garantisse o bem-estar de seus habitantes, escoamento e comercialização de seus produtos. Idealizado cinco anos antes, o projeto começou a ser consumado num momento de grande turbulência mundial – a depressão norte-americana deflagrada dois meses depois da chegada deste grupo pioneiro e que se estenderia durante toda a década seguinte. Década que terminaria sob a Segunda Guerra Mundial. Conflagrações e genocídio lá fora, levantes militares em território brasileiro: as insurreições de 1930 e 1932 levaram à ditadura de Getúlio Vargas e consolidação do seu poder.
O mundo se destruía enquanto o Norte do Paraná construía uma sociedade operosa e harmônica formada por 33 nacionalidades, mais os brasileiros, com predomínio de paulistas, mineiros e nordestinos – estes, aliciados para a derrubada da floresta e abertura de estradas.
Londrina, Maringá, Apucarana, Arapongas, Rolândia, Cambé, Astorga, Mandaguari, Nova Esperança, Jandaia do Sul, Cianorte e Umuarama são as principais cidades nascidas deste empreendimento colossal. Empreendimento que mudaria não apenas a configuração do Paraná – a floresta foi substituída vorazmente pela lavoura e núcleos urbanos -, mas daria grande impulso à economia brasileira por causa do café, que reinou nas primeiras quatro décadas da colonização. Erradicado após a geada de 1974, o café deu lugar principalmente à soja, milho e trigo, o que impulsionou a agroindústria e agregou valor à produção do campo. O Paraná é o maior produtor de grãos do país.
O projeto foi bem elaborado e executado – primeiro pelos ingleses, depois pelos paulistas que os sucederam pouco antes do fim da Segunda Guerra, renomeando a empresa como Companhia Melhoramentos Norte do Paraná. Mas os principais responsáveis por seu êxito foram as mulheres e os homens que se engajaram na epopeia. Sofreram todo tipo de privação física, inconstância climática, oscilação de preços, controle férreo do governo sobre a comercialização do café. E se impuseram pelo trabalho e perseverança.
O calendário oficial de Londrina dedica o dia de hoje a esses pioneiros. Homenagem mais do que justa aos que estão entre nós todos os dias por meio de seu legado.
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(*)Jornalista, filho e neto de pioneiros. Escreveu este artigo para a Folha de Londrina.

(Ilustração: Arte s/ foto da CMNP)
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