O inferno de Moro,
uma tragédia brasileira

Por Elio Gaspari, hoje na Folha de S. Paulo, segundo quem há dois anos o maringaense seria forte candidato à Presidência; hoje é uma fritura ambulante:

Quando decidiu largar a toga, trocando o altar da Lava Jato pelo serpentário de Brasília, Sergio Moro fez uma escolha arriscada. Ele havia se tornado um símbolo da luta contra a corrupção, mandando para a cadeia gente convencida de que aquilo era lugar de preto e de pobre. Na última quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro chamou-o de “patrimônio nacional”, mas Moro e as paredes do Planalto sabem que há poucas semanas ele o chamava de outra coisa. Quem já fritou um bife sabe que é preciso virar a carne, para não queimá-la. Moro é hoje uma fritura ambulante. Fritam-no (ou frita-se) no Planalto, no Congresso e no Judiciário.
Há dois anos ele seria um forte candidato na disputa pela Presidência da República. Essa viagem do paraíso ao inferno é uma tragédia brasileira que aponta para algo maior que ele. Mostra os vícios de soberba inerente à ideia do faço-porque-posso.
Em 2004, antes de se tornar famoso, o juiz Moro escreveu um artigo sobre a Operação Mãos Limpas italiana e disse o seguinte:
“Os responsáveis pela operação Mani Pulite ainda fizeram largo uso da imprensa. […] A investigação da ‘mani pulite’ vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no L’Expresso, no La Repubblica e outros jornais e revistas simpatizantes. […] Os vazamentos serviram a um propósito útil”.
Moro e os procuradores da Lava Jato repetiram a mágica. Agora queixam-se de vazamentos e o ministro da Justiça lastimou que seus projetos “não têm tido a necessária exposição na imprensa”.
O doutor não percebeu a mudança climática a que se submeteu trocando Curitiba por Brasília. Era um juiz que encarnava o combate à roubalheira e, junto com os procuradores, era também a melhor fonte de notícias. Afinal, era preferível ouvir Moro ou Deltan Dallagnol a dar crédito às patranhas virginais de empreiteiros ou de comissários petistas.
Moro, Dallagnol e os procuradores sempre souberam que seu serviço seria avaliado nas cortes superiores de Brasília. Confiaram numa inimputabilidade que lhes seria concedida pela opinião pública, até que vieram as revelações do Intercept Brasil e, acima de tudo, a decisão do Supremo Tribunal Federal que anulou a sentença de 11 anos de prisão imposta a Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil.
Os inimigos do procurador Dallagnol acusavam-no de manipular a fama com palestras bem remuneradas, mas ninguém seria capaz de supor que, de 20 palestras vendidas entre fevereiro de 2017 e fevereiro de 2019, 5 fossem patrocinadas pelo plano de saúde Unimed, com um ticket médio de R$ 32 mil.
Em setembro de 2018 o procurador queria ir à Bahia e perguntou a uma agenciadora: “Será que a Unimed Salvador não quer me contratar pra uma palestra na semana de 24 de setembro?”. (A Lava Jato passou ao largo dos planos de saúde.)
Dallagnol fez o que achava que podia fazer. Desde o aparecimento das mensagens obtidas pelo Intercept, os procuradores da Lava Jato e Sergio Moro encastelaram-se numa defesa suicida de silêncio e negação. Danificaram a alma da Lava Jato com a soberba do encastelamento que levou as empreiteiras e os comissários do PT à ruína e à cadeia.
Para Moro, a conta do faço-porque-posso veio na semana passada, com a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal.

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