A rebelião fracassada
contra o arcebispo

Por José Pedriali:

Instigadas por militantes bolsonaristas, cinco das principais entidades patronais de classe londrinenses propuseram uma moção pública de repúdio ao arcebispo, dom Geremias Steinmetz (foto), no cargo há dois anos, pedindo “providências contra o aparelhamento ideológico da Igreja Católica em Londrina”.

Datada de 2 de julho, a moção é endereçada ao núncio apostólico, dom Giovanni Daniello.
A atitude das entidades classistas, deflagrada em reação ao apoio da Arquidiocese ao protesto das centrais sindicais contra a reforma da Previdência – apoio consonante ao posicionamento da CNBB sobre o tema – não tem precedente na história de Londrina. E provavelmente não encontra amparo em seus estatutos.
Os signatários deixam claro seu posicionamento político, ao afirmar que, “depois de passar por três desastrosas gestões do PT, Londrina é hoje uma cidade eminentemente conservadora, como atestam os resultados das eleições nos últimos dez anos.” E acusam o arcebispo de trair a opção política do seu rebanho ao permitir “que o PT aparelhasse a estrutura da nossa Igreja. Em quase todas as manifestações e documentos públicos da Arquidiocese, nota-se a influência das teses esquerdistas e socialistas defendidas por esse partido.”
A confusão entre o cenário político local e nacional é evidente, pois nas três últimas campanhas pela Prefeitura de Londrina não houve embate ideológico, e sim pragmático; a disputa ideológica aconteceu nas eleições presidenciais, quando os londrinenses se manifestaram esmagadoramente contra o PT. Essa posição é interpretada pelos signatários como “conservadorismo”, quando, na realidade, foi mera rejeição ao partido situacionista nas eleições de 2010 e 2014 – com vitória local dos candidatos tucanos, que os bolsonaristas associam à esquerda – e que em 2018 pretendia retomar o poder depois do impeachment de Dilma Rousseff. Jair Bolsonaro fez 80% dos votos em Londrina no segundo turno.
Para os autores da moção, o pecado do arcebispo não é, como informa o título da manifestação, o “aparelhamento ideológico” das paróquias sob sua jurisdição e suas manifestações na seara profana, mas, na visão deles, a posição desse “aparelhamento” no espectro político-ideológico. Infere-se que, para os líderes dessas entidades, a arquidiocese local teria de se adequar ao “conservadorismo” que dizem prevalecer entre os católicos. Trocando em miúdos, a igreja local deveria se “aparelhar” em consonância aos princípios do bolsonarismo, que se apresenta como “conservador” de direita em contraposição aos “progressistas” de esquerda, personificados pelo PT.
A rebelião contra o arcebispo dos que se julgam porta-vozes dos “conservadores” londrinenses é um fracasso retumbante. Completam-se três meses do lançamento da moção, disponível na internet e amplamente divulgada, e somente 3,1 mil pessoas a assinaram. O Censo de 2010 informa que os católicos londrinenses eram pouco mais de 300 mil naquele ano – o número não foi atualizado, mas nada leva a crer que tenha mudado significativamente. Ou seja, um por cento dos católicos aderiu ao protesto contra o arcebispo!
E qual foi a reação do representante do papa Francisco, destinatário do protesto? Nenhuma! E não haverá, pois se as atitudes do arcebispo violassem o ordenamento católico, a CNBB e/ou o Vaticano já teriam tomado alguma atitude, como acontece neste momento com o ultraconservador Arautos do Evangelho, sob a intervenção da Santa Sé, anunciada no final de semana.
Para ocultar o fracasso da campanha, o desconhecido “Brasil Católico” – e não mais as entidades de classe – , igualmente pilotado por bolsonaristas, expôs um (!) outdoor ilustrado pela catedral londrinense para pedir “Tirem o PT do altar” e clamar “por uma igreja sem partido”. O PT jamais foi entronizado em qualquer altar (ao contrário do presidente Bolsonaro, que faz dos templos evangélicos seu palanque predileto), embora muitos padres e dignitários da Igreja Católica manifestem simpatia pelo ideário do partido (alguns, espantosamente, também por seu líder, preso por corrupção).
A campanha contra dom Geremias é natimorta. Mas seus idealizadores não desistem, assim como fazem na esfera política – e essa é uma das características relevantes do bolsonarismo -, de afrontar a realidade. E, tal qual no período de triste memória do macarthismo, de perseguir aqueles que não comungam de sua ideologia.
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Artigo do jornalista e escritor José Pedriali, publicado hoje na Folha de Londrina.

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