“Tá com a sua mãe”,
disse o pai, Bolsonaro

Por Ruth de Aquino, em O Globo:

Eu sei que quem diz “a porra da árvore” em ato público para garimpeiros, sabendo que seu discurso será transmitido internamente e no exterior, não pode cair muito mais baixo. Mas, como sou mulher, mãe e avó, continuo a me incomodar profundamente com a grosseria machista desse presidente e, claro, de seu entorno. Porque é bonito imitar o líder, nas suas reações mais intempestivas e truculentas.

Por isso, todos se sentem no direito de expressar pelos poros e pela boca sua falta de educação. Cortesia e dignidade é o mínimo que se espera de representantes do povo. Mas não. Então, o ministro da Economia Paulo Guedes diz que tchutchuca é a avó, o diretor da Funarte diz que nossa maior atriz é sórdida…e por aí vai. Virou uma febre falar maldosamente de mulheres. O prefeito do Rio, Marcelo Crivella, ironizou a juíza Mirela Erbisti, que mandou fechar a Av Niemeyer: “A juíza tem seus 40 anos e é muito bonita. Tem uma beleza de parar o trânsito, mas não precisa praticar, né, pessoal? Não precisa praticar”. O exemplo vem de cima. Se bem que é difícil, vindo de Jair Bolsonaro, usar a expressão “de cima”.
Para quem não viu ou leu, Bolsonaro papeava com simpatizantes no portão do Palácio do Alvorada, no sábado, em sua moto, quando um homem, não identificado, perguntou a ele onde estava Fabrício Queiroz, ex-PM e ex-assessor de seu filho Flávio Bolsonaro. Era uma provocação do homem. Um presidente normal – e quem sabe, inocente – reagiria de outra forma. Mas Bolsonaro deixa transparecer que seu sangue ferveu e responde: “Tá com a sua mãe”.
Todos sabem que Queiroz foi motorista da família Bolsonaro, muito amigo do presidente, passou vários cheques para a primeira-dama Michelle (que depois foram qualificados de pagamento de empréstimo de R$ 40 mil), foi funcionário durante 10 anos de Flávio Bolsonaro. A amizade com a família presidencial é tanta que o senador Flávio pediu ao Supremo a suspensão de todas as ações no Ministério Público e no Tribunal de Justiça do Rio que o envolvem no caso Queiroz. Foi atendido pelo ministro Gilmar Mendes.
Refrescando a memória de todos, o ex-PM, que se trata hoje de câncer em São Paulo, foi acusado de comandar um esquema de “rachadinhas” no gabinete de Flávio. Ficava com os salários de funcionários. E movimentou R$ 1,2 milhão suspeitos em suas contas. Venda de imóveis, compra de imóveis, venda de eletrônicos, compra de eletrônicos, essas foram as alegações de Queiroz. O ex-PM continua a ser um ex-amigo muito inconveniente para o clã. Mas sempre elogiado por Bolsonaro, o pai.
Estou me desviando do propósito principal deste texto. O propósito é mostrar que basta a menção do nome Queiroz para Bolsonaro perder as estribeiras e botar “a mãe” no meio. Nem tosco ele é mais. O presidente é grosso. E representa o mais puro sentimento do machão que coça o saco em público. Não xingaria alguém de “filho do pai”. Isso não é ofensa numa sociedade misógina. Bolsonaro não falaria tampouco “tá com o seu pai”, em resposta a um pedestre que perguntou sobre o Queiroz.
O negócio é dirigir o insulto à mãe, à avó…tristes são esses homens que não respeitam as mulheres mais importantes nas famílias. Ou mulheres em geral. Só por ordem judicial Bolsonaro, já presidente, pediu desculpas a Maria do Rosário por ter dito em 2014 que a deputada petista “não merecia ser estuprada” porque a considerava “muito feia”.
Sei que seus apoiadores mais fanáticos adoram a faceta grosseira e mal-educada de Bolsonaro. O que eles dizem? Não adianta criticar o capitão em tudo que ele fala. Vão ter que engolir Bolsonaro até o fim do mandato. Acham graça porque são tão mal-educados quanto seu ídolo. E não é culpa da mãe. Quando o capitão era ainda deputado do baixo clero, a mãe dele, dona Olinda, disse ao jornal gaúcho Zero Hora que criou o Jair “com amor, muito amor. Não queria que fosse uma criança estúpida, bruta, falasse besteira. Dava comidinha na hora certa…” Dona Olinda disse que o menino Jair “era digno, não era de falar besteira”. Mudou.
Como presidente, Bolsonaro não se comporta como filho de sua mãe. Ela já tem mais de 90 anos e um sorriso terno.

(Foto: Reprodução/O Globo)
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