Julgamento no Supremo – Justiça cega sim, surda não

Por Lutero de Paiva Pereira:

1 – Em andamento no SFT o julgamento de Ação Direta de Constitucionalidade – ADC 43 –, de autoria do partido político denominado Partido Ecológico Nacional – PEN – que busca, dentre outras coisas, que seja reconhecida a constitucionalidade do Art. 283 do Código de Processo Penal.

 O Art. 283 impede a prisão do condenado até que haja trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

2 – Três são as situações previstas no art. 283 para autorizar a prisão, a saber: 1ª) quando houver flagrante delito; 2ª) nos casos de prisão temporária ou preventiva e, 3ª) com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

A condicionante do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, foi incluída no ano de 2011 pela Lei 12.403 quando, vale ressaltar, a Lava Jato já estava lavando o País.

3 – No entanto, quando se analisa o inciso LVI, do art. 5º da Constituição Federal, parece impossível declarar como constitucional o art. 283 do CPP, justamente pelo fato de sua redação ser contrária ao preceito da Lei Maior, pois o trânsito em julgado da sentença penal condenatória não é exigência constitucional para a prisão.

4 – Frise-se: não é cláusula pétrea o trânsito em julgado de sentença penal condenatória para decretação da prisão, notadamente depois da condenação em Segunda Instância.

5 – Assim, enquanto o legislador constitucional nada dispôs quanto a condicionante do trânsito em julgado da sentença penal condenatória para prisão do condenado, o legislador infraconstitucional, diga-se de passagem, inferior àquele, dispôs de modo diverso.

6 – Pelo inciso LVI, do art. 5º da Constituição a validade do decreto prisional deve preencher somente os seguintes requisitos: 1º) ser escrito; 2º ) ser fundamentado e 3º) emanar de autoridade judiciária competente.

7 – Desta forma, quando a ação pretende a constitucionalidade do art. 283 do CPP, o contrário é que se pode esperar, visto que ao estabelecer uma condição que o art. 5º, LVI da CF não estabelece, o Artigo evidencia, isto sim, sua inconstitucionalidade.

8 – Relativamente à culpa, esta sim, o art 5º, inciso LVII da Constituição exige o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, mas culpa nada tem a ver com prisão decorrente de sentença condenatória.

9 – O réu condenado em Segunda Instância pode recorrer contra eventuais ilegalidades da condenação, mas não mais contra a culpa reconhecida pelo acórdão.

10 – Na proposta pelo Partido Ecológico Nacional, é interesse destacar a manifestação feita pela Pastoral Carcerária (www.iabnacional.org.br) contra a decisão do Supremo no HC 126.292 que estabeleceu entendimento no sentido de execução da pena após condenação em Segunda instância.

11 – “Absoluto repúdio”, foi o que a Pastoral disse no seu texto contra o Supremo.

12 – Com o devido respeito a Pastoral, para dizer o mínimo, foi parcial e tendenciosa, pois deixou de levar em conta também a população “carcerária” produzida pelos homicidas.

13 – Trata-se de população encarcerada em cadeias eternas de dor, cujo sofrimento é aumentado, se é que pode sofrer mais do que já sofreu, ao ver os algozes de seus queridos gozarem de liberdade que não tem fim.

14 – Estaria a Pastoral, do modo como se posicionou, fazendo bom pastoreio?

15 – Voltando ao campo do Direito, é interessante considerar as palavras do professor penalista Evandro Lins que escreve: “ na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, e se equipara um pouco ao próprio delinquente”.

16 – Ao dizer que quem deseja punir está querendo fazer mal equiparável ao mal perpetrado pelo delinquente, o referido professor reconhece que o delinquente fez o mal, e quem faz o mal deve ser punido.

17 – No entanto, repudiando as palavras do destacado mestre, é forçoso reconhecer sua total afronta aos sentimentos já dilacerados dos parentes das vítimas que, ao gritarem pela justiça contra aqueles que foram injustos para com eles, não podem, em hipótese alguma, serem comparados aos seus algozes.

18 – O professor foi longe demais.

19 – Sim, a Justiça deve ser cega para não ver a quem destina a sua decisão, mas não pode ser surda, para não ouvir a voz da vítima.


(*) Lutero Paiva Pereira é advogado

Advertisement
Advertisement