Verdades duras ou mentiras reconfortantes?


Era muito mais fácil discutir liberdade de expressão antes do surgimento das redes sociais
Sou jornalista. Atuo na área há 10 anos. Falar de liberdade de expressão é sempre uma polêmica que, vez ou outra, tentam me encurralar goela abaixo. Tenho uma posição firme sobre o tema e, quanto profissional da comunicação, sinto-me na obrigação de defendê-la.
Não há direito absoluto. Em uma democracia estabelecida, não há direito que não pressuponha deveres. Esse é o básico que aprendemos desde a infância, em uma espécie de código geral da civilidade. Meu avô gostava de dizer: você pode optar por uma verdade dura ou uma mentira reconfortante. Mas não há honra, nunca, na mentira.
Era muito mais fácil discutir liberdade de expressão antes do surgimento das redes sociais. A opinião, de maneira geral, se restringia às conversas entre amigos, à cátedra universitária, ciclos familiares ou, quando muito, a algumas dezenas de pessoas. Hoje, cada ser-humano é um rótulo ambulante que sente a estrita necessidade de dizer o que pensa, podendo ser – potencialmente – um interlocutor de multidões inteiras.
Não há, em absoluto, nada de errado nisso. Penso que dizer o que pensa, expressas as frustrações e descontentamentos é inerente ao ser-humano e a nossa sociedade áspera dos conflitos ideológicos. Acontece que, para dizer o que pensa, é necessário se responsabilizar pelo ato. Vejamos:
Em um cenário imaginário inicial, estamos em um shopping que não aceita animais de estimação. Se eu entro escondido com esse animal e sou pego pela segurança, acredito que serei colocado para fora. Esse é o primeiro ponto para entender os “termos de uso” de uma plataforma. Não é porque estamos em um cenário digital, que a lei não irá se aplicar a mim. É necessário seguir as regras que foram pré-estabelecidas. Descumpriu? Fora! Simples assim: como um aluno colocado para fora da sala de aula pela bagunça.
Os termos de uso do Instagram são claros “Não pode fazer nada ilícito, enganador ou fraudulento, ou com qualquer finalidade ilegal, ou não autorizada”.
O segundo cenário é o mesmo Shopping Center. Nesse, placas e usuários insistem que todos os que estejam lá dentro façam ataques racistas. Isso é ilegal e, por ser assim, haverá certamente a interveniência das forças de segurança e da justiça para garantir que não seja permitido esse tipo de conduta. Aqui, você acaba de perceber a influência do judiciário nas redes sociais.
O entendimento do ato ilegal – em uma leitura fria da lei – é feita por um juiz. É evidente que podemos concordar ou discordar. Independentemente disso, decisão judicial se cumpre. Se você afirma algo em caráter calunioso ou ataca uma pessoa, ou instituição, você pode ser colocado para fora do parquinho das redes sociais. Tão claro, quanto quando éramos crianças. Liberdade de expressão não é livre conduto para atrocidades.
Aliás, defendo friamente a liberdade de expressão como ferramenta de defesa e não de ataque. O direito constitucional da informação e propagação das notícias veio a duras penas, após anos de chumbo e traumas para quem revidava um sistema que torturava física e psicologicamente.
Respondendo à provocação inicial: sim! Sou a favor da liberdade de expressão, desde que a pessoa esteja preparada para as consequências que a cercam. Usar a liberdade de expressão como ferramenta de ataque e depois reclamar que perdeu a rede social é ser uma criança mimada que não aceita os limites sociais.
Toda infantilidade será castigada com o ostracismo da reclusão e reflexão. Gostaríamos que as redes sociais fossem o palco de discussões de ponta. Mas, infelizmente, são um grande Jardim de Infância. E o que podemos fazer?
Ilustração: Freepik