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Crônica

O profeta e a cidade

manifestação
Do padre Orivaldo Robles:
O profeta é um visionário. Seu olhar penetra o que a outros é inatingível. Ele colhe na intimidade com Deus o talento para ditos que encantam. É vizinho, senão gêmeo do poeta. Como este, transmite noções com um talento que embasbaca. À gente ignara ocorre, por vezes: “Como não pensei nisso”? Mas dom é dom: não se dá a quem quer. Nada se faz por merecê-lo. Quem o possui simplesmente o ganhou. Para desfrute não de proveito pessoal, mas aberto ao bem de todos. No século 8° a. C., em anúncio dos tempos messiânicos, Isaías formulou uma proposta assombrosa. E, ao mesmo tempo, encantadora: “O lobo será hóspede do cordeiro, o leopardo vai se deitar ao lado do cabrito. O bezerro e o leãozinho pastarão juntos; uma criança pequena tangerá os dois. O urso e a vaca pastarão unidos, enquanto suas crias descansarão lado a lado. O leão comerá capim como o boi. O bebê vai brincar no covil da víbora; a criancinha enfiará a mão na toca da serpente” (Is 11,6-8). A quem não sensibiliza o lirismo da descrição? Continue lendo ›

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Por que a criança chora?

choro
Do padre Orivaldo Robles:
Memória de idoso é uma encrenca. Sem mais nem menos, revolve lá no fundo e desentoca coisas que ninguém conhece ou recorda. É o caso do exemplo a seguir. Sem esforço e com assiduidade, me vem à cabeça uma canção encontrada num dos meus velhos LP nos quais, por falta de tempo ou por comodismo, faz séculos que não mexo. Aos menos vividos acho bom esclarecer que LP é abreviatura de “long playing”. Designa um antigo disco, dito de vinil, que talvez tenham visto em figura. Nele eram gravadas normalmente doze melodias. Foi o sucessor do disco de 78 r.p.m. (rotações por minuto). Por causa do tamanho, também este, mas especialmente o outro, recebe hoje o apelido de bolachão. O LP apareceu na fase anterior ao CD, ou “compact disc”. Entendo que para nossos atuais garotos CD também não queira dizer nada. É coisa do tempo do onça.Continue lendo ›

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“Vem pra rua!”

Do padre Orivaldo Robles:
Terça-feira passada, dezessete e trinta, mais ou menos. Nariz pingando como torneira que não fecha, eu ia apressado à farmácia do canto da praça. Faz tempo, me deram um cartão da melhor idade. Melhor para quem? Para os laboratórios, com certeza. São os que lucram com nossas doenças. O cartão me dá pequeno desconto. Não posso desprezar; tomo uma batelada de remédios de uso contínuo.
Enquanto caminhava, eu ouvia o alto-falante convocando as pessoas para o início da manifestação. Lamentei a coriza e o mal-estar que sentia. Mais que isso, porém, lamentei não possuir a disposição de 1992, da caminhada pelo impeachment do presidente Collor. Naquela vez, saí às ruas no meio de uma multidão composta, em sua maioria, por adolescentes conhecidos como “caras pintadas”. Pintaram a minha também. Tempo bom. Não há setentão que não recorde com gosto a vida que levava há vinte anos. Desta vez, tomei direto o rumo de casa. Nas ruas, jovens risonhos – de novo, quase todos adolescentes – portavam cartazes pintados à mão. Riam e aprontavam todo o barulho que a hora e o lugar lhes permitiam.Continue lendo ›

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Namorados

Do padre Orivaldo Robles:
Minha cidade, no interior paulista, ostenta na única praça, a da matriz, uma estátua de Santo Antônio. Estátua em praça não é novidade. Em Curitiba, na praça da Catedral, há uma estátua de Tiradentes. A da minha cidade foi doada por Durvalino Magrini e inaugurada, nos anos 50, diante de um colosso de gente. Um frade franciscano português, convidado para o evento, em seu discurso, várias vezes, falou de Santo Antônio de Lisboa. Deixou-me confuso. O padroeiro do lugar era Santo Antônio de Pádua, único que até ali eu tinha ouvido. Mais tarde vim saber que ele era natural de Lisboa. Morrera em Pádua, na Itália, daí a designação pela qual é conhecido. Mas tente convencer um português a chamá-lo Santo Antônio de Pádua!Continue lendo ›

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O pica-pau

Do pare Orivaldo Robles:
Numa dessas manhãs, no meio das poucas árvores da Praça da Catedral, ouvi pipilar um pica-pau. Um não; dois. Um piava, outro respondia. Corriam pela grama, alçavam voos curtos, subiam às copas das árvores. Um casal, sem dúvida, em busca de lugar para construir o ninho. Devem ter ido embora decepcionados. Não cresce ali mais nenhuma palmeira decente que mereça o furo do seu afiado bico. Nada parecido com a fartura de que dispunham seus ancestrais. Quem morou na roça recorda os coqueiros no meio do pasto, duros como ferro e altos como prédios. Os pica-paus os martelavam até perfurar um orifício redondo e fundo. Com uma capacidade fabulosa de escutar – ouvem larvas ou insetos movendo-se no interior do tronco – cavam o caminho até sua refeição, além de providenciar a maternidade onde nascerão seus descendentes. Para pôr ovos e criar filhotes, não sei de outro pássaro, tirante o joão-de-barro, capaz de construir uma casa tão segura.Continue lendo ›

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Para onde foi o silêncio?

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoOutro dia, nos dois lados da calçada à minha frente, contei seis pessoas falando ao celular. Não olhei para trás. É provável que outras estivessem fazendo o mesmo. O leitor já deve ter visto alguém conversando na rua, mas não percebeu com quem. Fique tranquilo. Não é nenhum daqueles infelizes que conversam sozinhos. Pode ver que ele mantém um aparelhinho colado na orelha. Existem até adaptações que permitem falar deixando as mãos livres. Inventadas, quem sabe, por algum italiano, que gosta de conversar agitando os braços, feito um helicóptero.
Não sei qual a relação entre o número de habitantes e o de celulares. Acredito que seja de empate. Em média, um celular por habitante. Como o automóvel, o celular marca a vida contemporânea. Não adianta ficar bravo. Ambos vieram para ficar. Em qualquer cidade é provável que a parcela maior da população disponha de carro e de celular. Mais de um até. Para os veículos é um suplício garantir vaga de estacionamento ou garagem de prédio. Para os celulares, ao contrário, nenhuma restrição. Estão aí, de todos os modelos, tipos, cores e preços. Dotados ainda dos mais impensáveis recursos, que os transformam no mais avançado Bombril das famosas mil e uma utilidades. Celulares podem hoje ser usados até como telefones.Continue lendo ›

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Que futuro haverá?

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoAlguém se lembra do filme “O Dia Seguinte”? Produção norte-americana de 1983, feita originalmente para a TV, desenhava os efeitos de uma guerra nuclear entre União Soviética e Estados Unidos. Era ambientada para Lawrence, no Kansas, cidade escolhida por situar-se no centro do país. Pretendia mostrar que uma guerra nuclear iria afetar a vida de todos, não importando onde vivessem. Hoje, a bem da verdade, nada acontece que não se faça sentir no mundo inteiro. Desde Herbert Marshall McLuhan (1911-1980), é aceito que vivemos numa “aldeia global”. Pelo menos no que tange ao comportamento. Basta um maluco inventar alguma idiotice num canto qualquer onde o Judas perdeu as botas para, do outro lado do mundo, alguém achar bonito imitá-lo. A macaquice patrocinada pelos meios de comunicação de todos os calibres faz tempo que mandou a privacidade para as cucuias.
Cada “especialista” que beberica sua cerveja no bar apresenta um diagnóstico para as barbaridades dos noticiários. Continue lendo ›

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Dia das mães

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoUm colega meu de seminário, nos anos 60, durante as férias, tinha o costume de reunir em casa os irmãos menores para explicar-lhes passagens da Bíblia. Numa dessas ocasiões, contou-lhes a parábola do filho pródigo (Lc 15,11-32). Ao final, quis saber se haviam entendido ou restava alguma dúvida. Na inocência dos seus cinco anos, a irmãzinha caçula surpreendeu-o com um grande problema: “E onde estava a mãe dele”? Para a pequena deve ter parecido estranho que figura tão importante como a mãe não tivesse lugar na história. A parábola fala do filho descabeçado; do mais velho, ciumento; do pai misericordioso; cita até os empregados – mas sobre a mãe, nenhuma palavra. Pode?
Deus deve ter inventado a mãe a partir das necessidades do filho pequeno. Ao menor desconforto, ele exige-lhe a presença. Dela, de mais ninguém. Vá o pai acudir, se a hora for de mamar no seio! Quando chegar o tempo da mamadeira, ele poderá intervir. Mas aí já o grude do nenê com a mãe será tão firme que nem formão afiado remove. Igualmente a ligação dela com seu bebê. Continue lendo ›

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Nossa violência de cada dia

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldo“Quando eu era criança pequena”, não lá em Barbacena, mas no Estado de São Paulo, ouvia contar maldades atribuídas a Dioguinho, Lino Catarino ou Aníbal Vieira, o Lampião paulista, que sobreviveram no ideário popular como desafiadores da lei e da ordem. Lei e ordem que, na sua época, não deviam ser grande coisa. No sertão de Rio Preto, Triângulo Mineiro ou Mato Grosso do Sul, no início do século passado, viver era quase ter a espada de Dâmocles sobre a cabeça. Pouca gente, muito mato, fazendas se abrindo, estradas e comunicações rudimentares… – o que não faltava eram arruaceiros e matadores. Claro que o povo exagera quando conta seus causos. Para Menotti del Picchia, “cada ‘valentão’ se multiplica, cataliza façanhas alheias, deforma-se sentimentalmente a tomar atitudes vingadoras de cavaleiro andante e a enriquecer-se com o halo quixotesco de façanhas inidentificáveis”. Nem sempre dá para separar a história da lenda. Contudo, é certo que houve homens ignorantes, violentos, para quem matar não produzia desconforto nem remorso. Julgavam-se acima do bem e do mal. Não conheciam outra lei senão a própria vontade, que impunham à força.Continue lendo ›

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Educação vem do berço

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoOs filhos de hoje são todos lindos. Os pais capricham no visual do único ou dos dois que têm. Para os oito ou dez de outrora não havia isso. Não sobrava tempo nem dinheiro. Mas cada um recebia séria formação, sob o olhar atento e cuidado permanente. Coisa que hoje muitos esquecem. Fiz esta reflexão há doze anos, mas considero-a ainda atual.
Era domingo cedo. O homem pegou o jornal no jardim da bela residência e passava os olhos pelas manchetes. Foi quando viu um matinho à toa, na base da calçada, no fundo da casa. Como foi nascer ali, numa fenda do concreto? Qualquer hora eu o arranco, pensou o homem.
Após algum tempo, comprou uma chácara. Seus fins de semana tornaram-se bucólicos, como dizia. Os meninos não, mas ele e a mulher, por nada deste mundo, dispensavam a semanal fuga para o silêncio do campo. A rica mansão deixou de merecer a atenção de antes.
Anos depois, verificou que o matinho verde de um dia – na verdade, uma seringueira, aquela árvore que não produz borracha, mas se torna imensa – tinha rachado calçada, parede e ameaçava a estrutura da casa.
Historinha besta, dirá o gentil leitor. Imagine se alguém deixaria passar tanto tempo sem notar o risco que corria uma casa que custou tanto. É verdade. Quando há dinheiro em jogo, a gente cuida. Em se tratando de outros valores, nem se preocupa.Continue lendo ›

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Um dia para o índio

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoNas décadas de 80 e 90 fui, algumas vezes, com uma família amiga ao Mato Grosso, perto do Pará, em férias de poucos dias. A gente aproveitava julho, quando não chovia. De uma feita, não sei por que, viajamos em janeiro. Então descobri a que, naquela região, chamam inverno. Dia sim, outro também, amanhece um céu azul que dá gosto. Quente como tampa de panela. Logo, logo começa a nublar. Pelas duas da tarde, pouco mais, despenca um aguaceiro de não se enxergar um metro à frente. Não demora e o céu limpa de novo. O dia termina num pôr do sol de pintura. Por que viajar para o Mato Grosso nas férias de meio do ano? É que boa parte dos familiares mudou para aquelas lonjuras. O casal, ambos professores, todo ano, levava as crianças a visitar avós e tios. Os de lá e os daqui mostravam prazer em que eu também fosse. Quiçá para fazer lastro no carro. Ou para ajudar a dirigir. Mais de dois mil quilômetros ao volante, sem parar, ninguém merece. Estou brincando. Amigos queridos, eles apreciavam, muito além do que vale, a minha companhia. Na época, depois de Cuiabá a BR 163 era chão puro até Santarém (PA). De tanto em tanto, desvios e máquinas. O solo preparava-se para o asfalto.Continue lendo ›

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O mais importante bem

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoEventualmente, quando o tempo me permite, acompanho o Jornal do Meio Dia. Esforço-me para não ser muito ignorante sobre o que rola por esse mundão de Deus. E me vejo mais assustado a cada dia. Tenho medo de que nos familiarizemos com brutalidades e safadezas. Que, no fim de algum tempo, venhamos a achar tudo normal. Que nos rendamos ao fatalismo de admitir que hoje o mundo é assim mesmo. Que não adianta lutar contra. Que nada pode ser feito. Boa parte das pessoas parece já concordar com isso.
Neste último dia de março, em Curitiba, uma senhora com três crianças, ao tomar um ônibus articulado da linha Pinheirinho-Praça Rui Barbosa, notou que o veículo tinha fechado a porta e arrancado antes que a terceira menina houvesse embarcado. Desesperada, pediu ao motorista que parasse. Enquanto isso, da janela, gritava à filha que esperasse no ponto até que a mãe voltasse para buscá-la. Vários passageiros se revoltaram com o condutor. Dois rapazes conversaram com o repórter da TV. Um disse que advertiu o motorista, dele obtendo, como resposta: “Ah, que se dane!”. Ao outro ele argumentou que tinha horário a cumprir e estava atrasado. Já fora anteriormente repreendido pelo fiscal da empresa por atender a passageiros. Como o jovem insistisse, freou o coletivo e disse asperamente: “Então venha você mesmo aqui dirigir”. Indignados, os jovens desceram com a mulher na parada seguinte. Postaram queixa na internet. Obtiveram compartilhamento de milhares de internautas.Continue lendo ›

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A primeira pedra

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoCom surpresa, pesar e oito meses de atraso, tomei conhecimento da morte do Augustinho. Morava em Mirassol, quando entrou no seminário de São José do Rio Preto. Era o caçula da nossa turma de 1953. No dia 11 de julho passado sofreu um enfarte. Estava com 69 anos, o que, para os nossos dias, não é velhice. Pesquisador do CNPq, apaixonado por temas que iam desde o “futebol até as mais complexas teorias da Física”, era uma “fonte viva de consulta”, na opinião de colegas. Já na infância, além do fino humor, revelava surpreendente inclinação para a Matemática, que fazia antever o notável professor em que se converteria. No seminário ficou pouco. Tempos depois que tinha saído, soubemos que ingressara no ITA – Instituto Tecnológico da Aeronáutica, de São José dos Campos. Era preciso ser muito cobra para isso. Para nós não foi novidade. O geniozinho acumularia título sobre título, até se laurear com o pós-doutorado pelo MIT – Massachussetts Institute of Tecnhology. Jamais abandonaria a paixão e a prática do ensino.Continue lendo ›

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E agora, José?

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoEm 19 de abril de 2005, uma terça-feira, segundo dia de votação, o cardeal chileno José Arturo Medina Esteves veio ao balcão da Basílica de São Pedro e proclamou: Habemus papam. O novo pontífice, chamado José, escolheu o nome de Bento. Era a escolha previsível, apesar de se tratar de um quase octogenário. Não se passaram oito anos. Neste 11 de fevereiro, segunda-feira de Carnaval, o papa de quase 86 anos apresentou sua renúncia. Com Drummond perguntamos: E agora, José?
Este idoso José é um professor universitário, autor de mais de 40 livros, unanimemente reconhecido como o maior teólogo vivo. Continue lendo ›

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Os bancos, hoje

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoVocê já passou dos sessenta? Então não troque de banco. O melhor que lhe pode acontecer ao tratar de assuntos bancários é ser recepcionado pelo sorriso de um gerente conhecido. Ou de um funcionário antigo, que lembra o número de sua conta e sabe até os centavos do seu saldo. Você nunca descobrirá se estão sorrindo por amizade, por respeito ou gozação. Mas qual a diferença? Importante é que se interessam por seu problema e procuram resolvê-lo. Merecem gratidão por esse cuidado com velhos clientes, que nada entendem de banco, essa preciosa invenção feita para gadunhar nosso pobre dinheirinho.
Conheci um gerente, que bem cedo descobriu minha falta de intimidade com serviços bancários. A partir de então, quando me via chegar, se levantava, me recebia e conduzia-me ao caixa automático. Etapa por etapa, ia lendo as mensagens da tela. Como se eu fosse um analfabeto. Concordo que, dentro de um banco, me sinto analfabeto ou quase isso. Continue lendo ›

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Gente que ainda existe

Num dia desta semana, encontrei por acaso duas amigas queridas. Trocamos algumas palavras. Conversa entre amigos não segue planejamento nem conhece trava ou segredo. É papo aberto, que brota da liberdade e da confiança, sobre qualquer assunto. Não se sujeita à censura nem fiscaliza as palavras. É inevitável sair algo que estranhos tomariam por grosseria. Como um daqueles despautérios do personagem Chaves, da TV, que, após soltá-lo, corre logo a desculpar-se: “Me escapou!”. Uma das amigas falava sobre seu filhinho, que se mostra sempre atento às necessidades dos outros. Deu um exemplo para ilustrar. A uma senhora que, por pouco, não tinha levado um tombo capaz de feri-la com gravidade, ele perguntou: “A senhora está bem? Está precisando de alguma coisa?” Isso lá é conversa de um menino de cinco anos? Mal tinha a mãe contado o episódio, fui tomado pelo espírito do Chaves. Sem refletir, soltei em voz alta: “Vai ser um bobo a vida inteira”. Continue lendo ›

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O valor do latim

Do padre Orivaldo Robles:
Ninguém escapa de mensagens não solicitadas, que a Internet despeja em nossos computadores domésticos. Não se conhece pessoa que delas consiga ver-se livre. Você abre a caixa de mensagens e dá de cara com coisas que ninguém explica por que cargas d’água ali vieram parar. Só pode ser arte de algum fantasminha brincalhão e muito eficiente, que divulga nosso endereço para todos os computadores do mundo. Vez por outra (raramente, na verdade) surge coisa que se aproveita. Dia desses, dei com uma, bem humorada, falando da importância do latim, que hoje ninguém mais estuda. Dizia mais ou menos isto:
“O vocábulo ‘maestro’ vem do latim ‘magister’ e este, por sua vez, do advérbio ‘magis’, que significa ‘mais’ ou ‘mais que’. Na antiga Roma ‘magister’ designava aquele que, pelos seus conhecimentos e habilitações, estava acima dos demais. Assim, ‘magister equitum’ era o chefe da cavalaria; ‘magister militum’, o chefe militar. Continue lendo ›

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Ao pai, no seu dia

Do padre Orivaldo Robles:
Nem bem eu tinha ganhado a calçada, desceram à minha frente. Com o carro estacionando, escutei, lá dentro, uma gostosa risada da menina. Franca mostra de alegria e tranquilidade. Que a ouvissem todos que andavam por perto. Ela não se importava. Saltou do carro, deu a volta e se juntou ao pai. Com ambas as mãos agarrou-lhe o braço, aninhando no seu ombro esquerdo a cabeleira castanha e basta. Continuou falando alto e rindo à vontade. Caminhava enroscada nele, com gosto e feliz. Confiança total da parte dela, ternura imensa da parte dele. Perfeito quadro para um comercial de TV sobre amor entre pai e filha. Ele, na idade que imagino a mais gostosa de ser pai. Pelos quarenta e cinco anos, pouco mais, pouco menos. Tinha, há muito, vencido os temores do início. A fase do garotão assustado, que não sabia cuidar de um bebê, mas tinha vergonha de confessá-lo. Ela, nos seus quinze, trilhava bem no meio a estrada chamada adolescência que, em tantos casos, separa pais e filhos.Continue lendo ›

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Campanha eleitoral

Do padre Orivaldo Robles:
De campanha política a mais antiga lembrança que guardo vem de uma fase longínqua, na infância, dos meus quatro ou cinco anos. Morávamos ao lado do terreirão, junto da tulha. A propriedade recebia o imponente nome de fazenda. Não pela extensão, mas por admitir várias famílias na lavoura de café. Era costume chamar sítio à propriedade tocada pelo dono, que nela residia e, eventualmente, empregava um ajudante com ou sem família. Morávamos na fazenda em que o café, plantado no sistema antigo, não condensado, dificilmente chegava aos cinquenta mil pés. Separada de nossa casa pelo pasto estendia-se a colônia. Pequena. Ocupada não por colonos, como o nome sugere. Pelo menos no sentido antigo da palavra. Os moradores das cinco casas construídas em série eram ditos meeiros. Embora, com exatidão maior, devessem chamar-se porcenteiros. Pois trabalhavam pelo ganho de 35, 40 ou 45 por cento da colheita anual do café. O pai era o fiscal. Supervisionava a fazenda e respondia por tudo. Era assalariado. À frente da nossa casa corria uma estradinha. Cruzava vários sítios, até desembocar em outra, que conduzia à vila chamada Junqueira. Esta última estradinha, agora asfaltada, ainda lá está. Junqueira também. Igualzinha à que era, faz setenta anos.Continue lendo ›

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Sentado na calçada

Do padre Orivaldo Robles:
Não estava de canudo e canequinha nem fazia bolinha de sabão, como cantava a melodia de Orlandivo, que os mais jovens por certo nunca ouviram. Mas estava sentado na calçada. Encostado na parede do restaurante. Não atrapalhava os que iam passando. Ninguém lhe dava atenção. Era como se não existisse. Nem ele se preocupava com os transeuntes. Sua atenção concentrava-se em coisa mais importante. Muito mais importante. Só tinha olhos para a marmita, que alguma alma caridosa lhe comprara. Ou o próprio restaurante, condoído da situação, tinha providenciado para atender o seu pedido. Era hora de almoço. Não é difícil sentir piedade de quem pede o que comer. Desde crianças aprendemos que a ninguém jamais se nega um prato de comida. Dinheiro não, porque nunca se sabe no que vai ser gasto. Ainda mais hoje, tempo de crack, essa droga assassina.Continue lendo ›

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Homens que marcam

Do padre Orivaldo Robles:
Sete anos se passaram. Os jornais falam de outro homem de Igreja falecido. Do primeiro Arnaldo Jabor compôs comovida crônica, que ainda me umedece os olhos quando a releio. Tenho coração mole. Choro até em comercial de detergente, já falei. Jabor lembrou que “de mortuis nihil nisi bonum”. Para quem não sabe latim ele traduziu por “não se fala mal de morto”. Tradução exata, porém livre. Professores sempre me exigiram tradução literal. Então, “a respeito dos mortos nada, senão o bem”. Jabor exaltou o falecido de uma forma inesperada, brilhante. Ele maneja as palavras com a facilidade de um menino brincando. O extinto revestia singular carisma. Impossível ocultar o burburinho que causava ao seu redor. Em 2005, Jabor falou de João Paulo 2°. Agora, Carlos Heitor Cony fala do cardeal do Rio, dom Eugênio Sales. Ambos, já parte da História. Seu valor transcende o tempo que passaram entre nós. Extravasaram a notícia, que hoje se comenta, amanhã se esquece.Continue lendo ›

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O celeiro

De Donizete Oliveira:
Quando era menino, um dos meus afazeres era dar de comer aos porcos e às galinhas. Todo dia, à tarde, tinha uma tarefa ordenada pelo meu pai: debulhar milho no celeiro. Um barracão que havia no imenso quintal da minha casa. Nunca sabia o que significava aquela palavra, mas acostumei-me com ela. Naquele tempo, a gente fazia as coisas sem questionar. Apesar de não ser tarefa fácil manejar o debulhador. Assim chamava a máquina manual que debulhava as espigas de milho.
Cresci naquela rotina. Todo dia logo depois das 18 horas, rumava para o celeiro. Não sem antes rezar a Ave Maria com o saudoso padre Donizete pela Rádio Aparecida. Meu sobrenome vem daí, tamanha a fé da minha mãe naquele que se transformou numa espécie de santo na pequena Tambaú, no interior paulista. Em casa, nada se fazia sem pedir proteção ao padre Donizete. Deu certo. Até hoje me considero abençoado.Continue lendo ›

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Parece mentira

Do padre Orivaldo Robles:
“Como prometido antes da eleição, o presidente do Uruguai José (Pepe) Mojica ainda mora em sua pequena fazenda em Rincón del Cerro, nos arredores de Montevidéu. A moradia não poderia deixar de ser modesta, já que o dirigente acaba de ser apontado como o presidente mais pobre do mundo. Pepe recebe 12.500 dólares mensais por seu trabalho à frente do país, mas doa 90% de seu salário, ou seja, fica somente com 1.250 dólares ou 2.538 reais, ou ainda 25.824 pesos uruguaios. O restante do dinheiro é distribuído entre pequenas empresas e ONGs que trabalham com habitação.
‘Este dinheiro me basta, e tem que bastar porque há outros uruguaios que vivem com menos’, diz o presidente. Aos 77 anos, Mujica vive de forma simples, usando as mesmas roupas e desfrutando a companhia dos mesmos amigos de antes de chegar ao poder. Continue lendo ›

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Gato que nasce em forno

De Ruy Castro, na Folha de S. Paulo:
Carlos Gardel (1890-1935), o cantor de “Mano a Mano”, nasceu na França (em Toulouse). Mas algum argentino duvida que ele foi o maior portenho de todos os tempos? E a brasileira e carioquíssima Carmen Miranda (1909-55), nascida em Marco de Canaveses, a 40 km do Porto, em Portugal? E o francês Yves Montand (1921-91), marselhês e malandro até o último Gitanne, que nasceu em Monsummano Alto, na Itália?Continue lendo ›

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Novo ano à vista

Do padre Orivaldo Robles:

Você, que lê, e eu, que escrevo, somos privilegiados. Ano passado, neste dia e hora, estavam vivas pessoas possivelmente melhores que nós. Hoje, não fazem parte do nosso convívio. Por que misteriosa razão foram daqui levadas, enquanto nós ficamos? A mim, tenho certeza, o Senhor concede nova chance de me corrigir das minhas falhas. Ouvimos, a cada início de janeiro, o surrado “ano novo, vida nova”. Um ano que começa abre aos nossos passos uma nova estrada, que pode ser diferente da anterior, se quisermos. Entretanto, o que se dá, na maioria das vezes, é que passam os meses, termina dezembro, vira a folhinha e a vida prossegue na mesmice de sempre. E olhe lá se a gente não acaba mudando, sim, mas para pior.
É engraçado como as pessoas se repetem. Não há abertura de ano em que não nos venham aporrinhar as manjadas previsões de pretensos adivinhos.Continue lendo ›