Deixando a desejar
De José Luiz Boromelo:
O número de linhas da telefonia celular em uso no Brasil dobrou nos últimos quatro anos, indo de 126 milhões em março de 2008 a 251 milhões em março deste ano. A rede atual equivale a 128 linhas para cada 100 habitantes, como mostram os dados divulgados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Uma das consequências dessa popularização foi a redução do interesse pelos telefones fixos.
Esse crescimento trouxe uma infinidade de problemas que vem atormentando o usuário brasileiro. O “apagão” na telefonia móvel (que inclui voz e transmissão de dados) ocorrido recentemente apenas reforça a sensação que a coisa vai de mal a pior: os problemas na infra-estrutura mostram que há muito a ser investido na área de telecomunicações, evidenciando a má qualidade na prestação desse tipo de serviço no país, sem expectativas de uma mudança significativa em curto e médio prazo.
O caso em questão, atribuído ao rompimento acidental de cabos de fibra ótica e que deixou milhões de usuários no prejuízo, é apenas um indício de problemas mais sérios como sobrecarga e saturação de um sistema, que diante das necessidades atuais já se mostra obsoleto. Não é admissível que o fluxo de informações que abastece alguns Estados se mostre tão vulnerável e concentrado num único local. Na mais simplória análise, se não for o caso de equívocos nos projetos de implantação e expansão da rede, é um claro sinal de incompetência operacional e administrativa. A suscetibilidade e a fragilidade de um sistema – que dá mostras de estar no seu limite – vêm na contramão dos elevados índices de comercialização das linhas móveis, em franca expansão no país.
Se por um lado as operadoras de telefonia móvel experimentam um aumento significativo na oferta e comercialização de suas linhas, na outra ponta dessa conturbada relação o usuário padece. As reclamações contra essas empresas multiplicam-se nas instituições de defesa do consumidor pelo Brasil inteiro. O incômodo em se solucionar alguma situação varia da demora no atendimento (e isso é procedimento padrão em todas as operadoras), passando pela cobrança indevida de tarifas e ligações ou a inserção deliberada nos mais variados planos (sem a prévia anuência do usuário), aos problemas como falta de sinal, inconsistência ou interrupção repentina nas ligações e outros mais.
Mesmo com todos esses inconvenientes, o consumidor brasileiro elegeu o aparelho celular como item imprescindível em seus dispêndios. A tendência sinaliza para uma migração lenta, mas gradual na aquisição de aparelhos de última geração (e conseqüentemente mais caros) com acesso às redes sociais e uma infinidade de aplicativos para as mais variadas tarefas. Parece que estamos mais preocupados com o status proporcionado pelo aparelho do que com o efetivo emprego a ele destinado. A interação entre a tecnologia ao alcance da mão e a cultura às futilidades presentes na sociedade moderna transcendem os limites da necessidade, da urgência ou da conveniência.
A prevalecer essa ânsia consumista pelos serviços da telefonia móvel celular, pouca coisa vai mudar nas relações do comércio, em detrimento aos direitos elementares do consumidor. Continuaremos a pagar por tarifas telefônicas extorsivas, submetidos ao pior serviço oferecido pelas empresas de telefonia e a arcar com os mais elevados tributos do planeta na aquisição de novos modelos. Mas quem se importa com isso? E para que queremos a excelência nesse tipo de prestação de serviço? O que vale mesmo é agarrar-se por horas a fio ao aparelhinho sem se incomodar com algum reles imprevisto, como o rompimento de um cabo de fibra ótica ou uma pane repentina qualquer, daquelas a que todo equipamento eletrônico está sujeito. Agora, se a coisa estender-se por mais tempo, melhor chamar por socorro. Do orelhão, claro, mesmo porque não suportamos ficar nem um minuto sem algum tipo de conexão, seja na rede mundial de computadores ou naquele mundinho alienado da telefonia móvel celular. Afinal, nesses dias de alta conectividade, não podemos deixar nossos contatos esperando…
___________
José Luiz Boromelo, escritor e cronista.