A saúde pede socorro
De José Luiz Boromelo:
A cena percorreu o país e mostra a triste realidade sem disfarces. Uma médica tomou uma atitude extrema levada por justa indignação, diante do caos instalado no pronto atendimento da instituição de saúde a qual presta serviços. Seu desabafo diante das câmeras foi a única forma que encontrou para protestar contra a superlotação dos hospitais públicos. Naquele momento, tomando para si a responsabilidade de manifestar-se (com toda a razão), personificou o padecimento sem fim do cidadão e o descaso do Estado para com um povo que é desrespeitado diariamente em seus direitos mais elementares.
A Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF) vigorou no Brasil de 1997 a 2007, e destinava-se especificamente ao custeio da saúde pública, da Previdência Social e do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. No início, a lei estipulava que a totalidade da arrecadação seria destinada exclusivamente ao Fundo Nacional de Saúde. Porém, a partir de 1999 a CPMF passou a destinar parte de seus recursos à previdência social. No seu fim, a previdência social e a erradicação da pobreza recebiam aproximadamente 26% e 21% da arrecadação, respectivamente.
Durante todo o tempo de vigência da mencionada lei, o atendimento à saúde no país teve poucos avanços. O contribuinte brasileiro viu seus suados impostos esvaindo-se pelos ralos da incompetência (principalmente dos ocupantes de altos cargos) e do gigantismo da máquina administrativa. A inércia governamental atingiu níveis absurdos, emperrada num emaranhado de procedimentos burocráticos, transformando as verbas provenientes da arrecadação tributária (via contribuinte) numa evidente demonstração de malversação dos parcos recursos públicos. De lá para cá, pouca coisa mudou. A saúde vai muito mal das pernas. Pode-se com toda a propriedade assegurar que se assemelha a um paciente terminal sem perspectivas de recuperação. É desalentador constatar que não se vislumbra qualquer providência efetiva para se mudar a situação.
O usuário dos sistema público de saúde padece e implora por atendimento. E não espera por excelência nos procedimentos médicos (similares aos praticados nos hospitais particulares de referência), apenas deseja ser atendido. O cidadão almeja apenas e tão somente o respeito à sua dignidade, sem ter que esperar por horas na dolorosa e interminável fila da omissão. Mas a realidade é cruel. A cena se repete em todos os hospitais públicos do país. Pacientes são espalhadas pelos corredores, consultórios, salas de cirurgia e em qualquer cômodo onde se possa acomodar um leito ou uma maca. As condições de higiene são precárias, os equipamentos deterioram-se por falta de manutenção, a carência de medicamentos e materiais para procedimentos mais simples é evidente. O quadro agrava-se à medida que os médicos migram para o sistema privado de saúde, em que o atrativo maior é o salário compatível com a função, aliado a melhores condições de trabalho. Dessa forma, as vagas não são preenchidas e o povo (mais uma vez) sofre com a irresponsabilidade governamental.
O calvário diário do contribuinte brasileiro na busca pela assistência médica da rede pública não tem limites. As senhas para atendimento são insuficientes, obrigando os usuários do sistema a pernoitarem na fila, na maioria das vezes à mercê das intempéries. E quando finalmente o paciente se vê diante do tão requisitado profissional de saúde, eis que o tempo de consulta resume-se num monólogo breve e superficial, pois a alta demanda exige celeridade.
Há muito que fazer para se reverter essa situação. Isso requer investimentos vultosos, constantes e pontuais. As prioridades na área da saúde deveriam prevalecer sobre as demais necessidades urgentes do país ante a gravíssima situação atual, que transformou o sistema em inoperante e obsoleto. Essas medidas emergenciais não contemplam – infelizmente – a irreversível e contraditória sangria dos cofres públicos para organizar e sediar a mais importante competição esportiva mundial. Resta aos indefesos contribuintes brasileiros torcer para que as longas madrugadas sejam amenas e a paciência torne-se fiel parceira nos momentos mais difíceis. E que nossos governantes tenham a devida consideração com esse povo sofrido e passem a cumprir o estabelecido pela Constituição Federal. Mesmo que isso seja uma utopia.
_______
(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista.